• O homem sem sorte – Armênia

    O homem sem sorte – Armênia
    Recontado por Giliane Ingratta Góes

    Vivia perto de uma aldeia um homem que era completamente sem sorte. Nada do que ele fazia dava certo. Quando ele plantava sementes o vento as levava, ou a chuva as fazia apodrecer. Aquelas que permaneciam debaixo da terra, o sol as cozinhava.
    E ele se queixava com as pessoas. No início, elas o escutavam, mas, com o passar do tempo, mudavam de caminho quando o viam chegar, ou entravam em suas casas fechando portas e janelas. Então, além de sem sorte, o homem ficou muito só.
    Um dia que ele refletia sobre sua vida pensou que devia existir um culpado para o que acontecia com ele. Analisou a situação de sua família. Concluiu que seu pai era um homem de sorte. Sua mãe tinha a sorte de ter casado com seu pai. E seus irmãos eram muito bem sucedidos. Pois então, se não era um caso de família, só poderia ser coisa do Criador. Pensou muito até que resolveu tomar uma atitude. Ele iria até o fim do mundo falar com o Criador que, como criador de tudo, deveria ter uma resposta.
    Colocou alguns alimentos numa sacola e partiu rumo ao fim do mundo.
    Andou um dia, um mês, um ano e um dia e, atravessando uma floresta, ouviu uma voz:
    – Por favor, me ajude!
    Ele olhou para os lados procurando alguém. Até que se deparou com um lobo, tão magro que dava para contar suas costelas. O lobo falou:
    – Há três meses que estou nesta situação. Não sei o que está acontecendo comigo. Não tenho forças nem para me levantar daqui.
    O homem, refeito do susto, respondeu:
    – Você está se queixando à toa! Eu tive azar a vida inteira. O que são três meses? Mas faça como eu. Procure entender o porquê desta situação. Eu estou indo ver o Criador, com certeza ele saberá como resolver o meu problema.
    – Se eu não tenho forças nem para ir até o rio beber água… Faça este favor para mim. Já que você está indo vê-lo, pergunte a ele o que está acontecendo comigo.
    O homem, pouco disposto a ajudar, disse que se lembrasse, perguntaria.
    Virando as costas, continuou seu caminho. Andou um dia, um mês, um ano e um dia e de repente, ao tropeçar numa raiz, ouviu:
    – Moço, cuidado!
    Estatelado no chão notou uma folhinha que vinha caindo. Levantou-se e reparou que a árvore estava num estado lamentável: suas raízes saíam do chão, sua casca estava quase solta e só tinha duas folhinhas nos galhos retorcidos. Ele falou:
    – Você não tem vergonha? Olhe as árvores à sua volta e diga se você pode ser chamada de árvore? Conserte sua postura!
    A árvore, com uma voz de muita dor, disse:
    – Não sei o que está acontecendo comigo. Estou me sentindo tão doente! Há seis meses que minhas folhas estão caindo, e agora, como vês, só restam duas…
    Ao descobrir que o homem estava indo ver o Criador, a árvore pediu que lhe perguntasse o que ela devia fazer para recobrar a saúde.
    Irritado, o homem respondeu mais uma vez que, caso lembrasse, perguntaria.
    Andou um dia, um mês, um ano e um dia e chegou a um vale verdejante, coberto de flores coloridas e perfumadas, às quais não deu a menor atenção. Avistou uma casa e, na frente da casa, uma moça muito bonita que estava a fiar. Pensando que ele devia estar com sede e precisando descansar, ela o convidou a entrar. Eles conversaram longamente, afinal não falavam com ninguém havia muito tempo. O homem de repente se deu conta que já era noite. Ele se levantou dizendo que não podia perder mais tempo, pois ansiava por encontrar o Criador. Ele já ia virando as costas quando ela lhe pediu um favor:
    – Espere! Você que vai ver o Criador, podia perguntar uma coisa para mim? É que de vez em quando sinto um vazio no peito, que não tem motivo, nem explicação. Gostaria de saber o que é e o que posso fazer.
    O homem disse que perguntaria. Retomou a caminhada e andou um dia, um mês, um ano e um dia até que, finalmente, chegou ao fim do mundo. Sentou-se e ficou esperando. Uma voz vibrante se fez ouvir. E uma voz no fim do mundo, só podia ser a voz do Criador. A voz falou:
    – Tenho muitos nomes! Chamam-me também de Criador.
    O homem então contou sua triste história. Ele não estava interessado em aproveitar esse encontro tão especial para saber por que depois da noite vem o dia, ou como sementes minúsculas se transformam em árvores enormes. Sua pergunta era única e única foi a resposta do criador:
    – Homem, sua sorte está no mundo, basta você ficar atento para perceber o momento certo e apanhá-la!
    O homem nem se lembrou de agradecer e já ia embora correndo quando a voz lhe perguntou:
    -Você não está se esquecendo de nada? Não ficou de levar respostas para uma jovem, uma árvore e um lobo?
    – É verdade – disse o homem – e sentou-se novamente.
    Assim que ouviu do Criador as três respostas que deveria levar, o homem saiu correndo, mais rápido do que o vento.
    Estava passando frente à casa da jovem, quando esta, vendo-o passar, chamou:
    – Ei!!! Você conseguiu encontrar o Criador? Teve as respostas que queria?
    – Sim!!! Claro! O Criador disse que minha sorte está no mundo; basta eu ficar atento para perceber o momento certo e apanhá-la!
    – E quanto a mim, você conseguiu fazer minha pergunta?
    – Ah! O Criador disse que o que você sente é solidão. Assim que encontrar um companheiro vai ser completamente feliz, e mais feliz ainda vai ser o seu companheiro.
    A jovem então abriu um sorriso e perguntou ao homem se ele queria ser este companheiro.
    – Claro que não! Já trouxe sua resposta! Não posso ficar aqui perdendo tempo com você! Não foi para isso que fiz essa jornada toda. Adeus!
    E virando as costas correu, mais rápido do que a água.
    Passando pela floresta onde estava a árvore, de novo tropeçou em sua raiz. Nem se lembrava dela. Enquanto a última folhinha caía a árvore perguntou se ele trazia uma resposta para o seu sofrimento.
    – Tenho muita pressa e vou ser breve, pois estou indo em busca da minha sorte, e agora sei que ela está no mundo. O Criador disse que há, embaixo de suas raízes, uma caixa de ferro cheia de moedas de ouro. O ferro desta caixa está corroendo suas raízes. Você só precisa cavar e retirar esse tesouro para seu sofrimento acabar.
    – Por favor! Faça isto por mim! – suplicou a árvore – Você pode ficar com o tesouro. Eu só quero de volta a minha saúde!
    O homem deu um pulo e falou indignado:
    – O quê?! Eu já trouxe a resposta que queria. Agora resolva o seu problema! O Criador falou que minha sorte está no mundo e eu não posso perder tempo aqui conversando com você, e muito menos sujando minhas mãos de terra.
    E, virando as costas, correu, mais rápido do que a luz.
    Atravessou a floresta e chegou onde estava o lobo, quase desfalecido.
    O homem levou susto de novo e foi dizendo, apressadamente:
    – O Criador mandou lhe falar que você não está doente. O que você tem, é fome. Vai morrer de inanição já que não consegue caçar. A não ser que passe na sua frente uma criatura estúpida o bastante e que você consiga comê-la.
    Naquele momento, os olhos do lobo se encheram de um brilho estranho, e reunindo o restante de suas forças, ele deu um pulo e comeu o homem sem sorte.

     

  • O HOMEM SEM SORTE

    Era uma vez um homem que se achava completamente sem sorte.

    Nada do que ele fazia dava certo.  Parece que tudo o que fazia dava errado.

    Muitas vezes ele plantava sementes e o vento vinha e as levava.

    Outras vezes, era a chuva, que vinha tão violenta que carregava as mudas que brotavam.

    Outras vezes, as sementes permaneciam sob a terra, mas o sol era tão quente que as cozinhava.

    Muitas coisas ruins aconteciam sem que ele soubesse o porquê.

    E ele se queixava com as pessoas e elas escutavam suas queixas – da primeira vez com simpatia, depois com certo desconforto e, por fim, quando o viam, mudavam de caminho ou entravam para dentro de suas casas, fechando portas e janelas, para o evitar.

    Então, além de sem sorte, o homem se tornou tristonho, chato e muito só.

    Ele começou a querer achar um culpado para o que acontecia com ele, mas não encontrou.  Em sua família, percebeu que seu pai era um homem de sorte; sua mãe, também, pois tinha se casado com seu pai, seus irmãos estavam bem…  Olhou ao redor e viu que muitos de seus vizinhos também viviam bem, satisfeitos com a vida que tinham.

    E depois de muito pensar resolveu tomar uma atitude:

    – Já sei!  Vou falar com o Criador de todas as coisas que vivem e respiram. É claro!  Se Ele me fez assim, sem sorte, deve ter uma resposta.  Ele pode mudar a minha vida e me tornar um homem de sorte!

    Arrumou sua malinha, colocou ali as coisas que achava importante levar consigo, algum alimento e partiu rumo ao fim do mundo.

    Andou um dia, um mês, um ano e um dia, até chegar numa grande floresta, com árvores muito grandes e galhos que quase atingiam o céu.

    – Ah – disse para si mesmo – esse deve ser o lugar onde vive Deus.  Entrou calmamente na floresta, olhando para a direita e para a esquerda, para ver se encontrava o Criador.  De repente, ouviu uma voz:

    – Moço, me ajude…

    Ele deu um passo para trás, assustando-se ao ouvir aquele grito.  Olhou para um lado e para outro, procurando alguém e viu que à sua frente, atrás de um mato, havia um lobo.

    Ele se deparou com um lobo diferente, magro, amarelado, quase sem pelos; era pele e osso o infeliz.  Dava para contar suas costelas. O lobo falou:

    – Estou tão doente… Há três meses estou assim.  Não sei o que está acontecendo comigo. Não tenho forças para me levantar daqui.  Por favor, me ajude, preciso de ajuda.

    Refeito do susto, o homem olhou para o lobo e disse:

    – Você precisa de ajuda? Eu é que preciso de ajuda.  Você está se queixando à toa, Você tem estado doente por alguns meses, mas eu tive azar a vida inteira.  O que são três meses? Você me vê reclamando e pedindo ajuda para outras pessoas?  Claro que não!  Faça como eu.  Procure uma resposta. Eu estou indo procurar o Criador de todas as coisas que vivem e respiram, para resolver o meu problema.

    – Ah! Isso é muito corajoso!  Mas eu estou tão doente que não posso caminhar, não tenho forças nem para ir ao rio beber água… Faça este favor para mim. Você está indo vê-lo, pergunte o que está acontecendo comigo e o que posso fazer para melhorar.

    O homem fez um sinal de insatisfação e disse que estava muito preocupado com seu problema, mas… se lembrasse, perguntaria.

    Virando as costas, foi-se embora.  Ia correndo floresta adentro, dizendo: “Estou quase chegando lá, estou quase lá!”.

    Andou um dia, um mês, um ano e um dia e de repente, ao tropeçar numa raiz, ouviu:

    – Ahhhh! Moço, cuidado.

    – O que é isso agora?

    E quando olhou, viu uma folhinha que vinha caindo, caindo… Olhando para cima viu que era uma árvore que estava toda quebrada, caída, com as raízes desenterradas, os galhos retorcidos, muito feia, descascada, folhas ressecadas, horrível.  O homem falou:

    – Você não tem vergonha? Olhe as outras árvores à sua volta e diga se você pode ser chamada de árvore? Conserte sua postura.

    A árvore, com uma voz de muita dor, disse:

    – Não sei o que está acontecendo comigo. Estou me sentindo tão doente. Há seis meses que minhas folhas estão caindo, e agora, como vê, só restam duas…  Por favor, me ajude.

    – Por que eu deveria te ajudar?  O que você fez por mim? Nada! Ao invés de ficar aí se queixando, faça alguma coisa, como eu, que estou indo me encontrar com o Criador.

    – Mas eu não posso me mover, eu sou apenas uma árvore.  Por favor, peça ao Criador para me ajudar.

    Contrariado, o homem virou as costas com mais esta incumbência e saiu dizendo:

    – Vou pensar sobre isso.  E foi-se embora, andando cada vez mais depressa.

    Andou um dia, um mês, um ano e um dia e chegou a um vale muito florido, com flores de todas as cores e perfumes, árvores frutíferas, um riacho límpido.  No final deste campo havia uma linda casinha.

    – Ah!  Aquela deve ser a casa do Criador.

    Correu até lá, sem reparar nas flores que ia pisando pelo caminho.

    Na frente da casa estava uma moça muito bonita sentada na varanda.  Ela lhe deu boas vindas e lhe ofereceu chá, bolo, biscoitos e tudo o que de melhor ela tinha na casa.  Ela foi tão boa que ele ficou ali, conversando na varanda.  Conversaram por um longo tempo.  Pela primeira vez na vida, teve a oportunidade de contar todos os seus problemas a alguém.   Quando o homem deu por si, já era madrugada.

    Ele se levantou dizendo que não podia perder tempo e, quando já ia saindo, ela pediu:

    – Olha, eu tenho uma vida boa aqui, mas às vezes, me sinto um pouco sozinha, um vazio no peito, que não tem motivo, nem explicação.  Talvez você possa perguntar ao Criador se Ele tem algum conselho para mandar para mim.  Gostaria de saber o que é e o que posso fazer.

    O homem disse que ia tentar se lembrar disso, virou as costas e se foi.

    Andou um dia, um mês, um ano e um dia e chegou por fim ao fim do mundo.

    Lá não havia nada, somente um espaço vazio.  Até as cores da paisagem tinham desaparecido.  Neste momento, o homem se sentiu inseguro de si mesmo, pois se deu conta de que não sabia como falar com Deus.  Sentou-se para pensar e estava tão mergulhado em seus pensamentos, que não reparou que uma nuvem estava se formando à sua frente.  De dentro dessa nuvem saía uma luz.  E dessa luz saiu uma voz suave, que disse:

    – Bem vindo.

    Era uma voz no fim do mundo, só podia ser a voz do Criador de todas as coisas que vivem e respiram, mas como ele já tinha encontrado tantas criaturas pelo caminho, resolveu perguntar:

    – Você é o Criador?

    – Tenho muitos nomes. Chamam-me também de Criador…  Mas estou certo de que não foi por isso que você veio me ver.

    O homem começou a sentir que seu coração se abria e percebeu que podia dizer e sentir o que quisesse que aquela voz o ajudaria.  Então contou toda a sua triste vida, com todos os detalhes, falou das sementes, dos pais, dos irmãos, dos vizinhos… e de sua falta de sorte.  Ficou por muito tempo falando, ouviu tudo que a voz tinha a lhe dizer, até que percebeu que a nuvem estava indo embora e as cores começavam a voltar à paisagem.

    Então se levantou e virando as costas foi saindo, quando a voz lhe perguntou:

    – Você não está se esquecendo de nada? Não ficou de saber respostas para uma árvore,  para um lobo e para uma jovem?

    – Ah, é. Tem razão…

    E voltou-se para ouvir o que faltava.  Depois de um tempinho virou-se e correu… mais rápido que o vento até que chegou na casa da jovem.

    Ela estava na varanda e, ao ver o homem passar, chamou:

    – Ei!!! Você que vai aí correndo, deve estar com fome.  Acabei de preparar o almoço.

    O homem sentiu um cheiro de comida muito gostosa, bem fresquinha, e acabou entrando.  Viu a mesa posta com tantas comidas deliciosas… Tinha tudo quanto era comida gostosa que você possa pensar.  O homem comeu bastante.

    E a moça perguntou:

    – Você conseguiu encontrar o Criador? Teve as respostas que queria?

    – Sim!!! Claro! O Criador disse que minha sorte está no mundo, que está bem à minha frente e que eu deveria ir ao seu encontro.  Disse que o mundo me oferece infinitas possibilidades, basta eu prestar atenção… e ficar atento para perceber a hora de apanhá-la! É isso que vou fazer: encontrar a minha sorte.

    – E quanto a mim, você teve a chance de fazer a minha pergunta? – a moça perguntou.

    – Ah! O Criador disse que o que você sente é solidão. Assim que encontrar uma companhia, vai ser completamente feliz, e mais feliz ainda vai ser o seu companheiro.

    A jovem então abriu um sorriso.  Estava um pouco envergonhada, mas tomou coragem e perguntou:

    – Você não gostaria de ficar aqui comigo?

    – Claro que não… Já trouxe a sua resposta. Eu estou procurando minha sorte. Não posso perder tempo, não posso ficar aqui comendo e bebendo e conversando com você.  Não foi para isso que fiz toda esta jornada. Você deve procurar outra pessoa.  Tchaaaau!!!

    E virando as costas correu, mais rápido do que a água, olhando para a direita e para a esquerda, para cima e para baixo, a procurar sua sorte, até chegar à floresta onde estava a árvore. Ele nem se lembrava dela, tropeçou de novo em sua raiz e viu cair uma última folhinha.

    – Ah, você está aí, encontrou o Criador?  Tem alguma resposta para mim?

    – Encontrei sim, mas não tenho tempo para falar com você agora.  Tenho muita pressa, pois estou indo em busca da minha sorte, pois há muitas oportunidades no mundo para mim, basta eu estar atento.

    – E para a minha doença, ele disse alguma coisa?

    – Ah, sim.  O Criador disse que você alguma coisa presa nas suas raízes.  Bem embaixo de suas raízes tem uma caixa de ferro cheia de moedas de ouro. O ferro desta caixa está envenenando suas raízes e fazendo você ficar doente. Se você cavar e tirar este  tesouro daí vai terminar todo o seu sofrimento e você vai poder voltar a ser uma árvore saudável novamente.

    – Por favor! Faça isto por mim! Eu sou uma árvore, não posso cavar.  Você pode ficar com o tesouro.   Ele não serve para mim. Eu só quero de novo minha força e energia.

    O homem deu um pulo e falou indignado:

    – Você está me achando com cara de quê? Já trouxe a resposta, agora resolva o seu problema. O Criador falou que minha sorte está nas oportunidades do mundo e eu não posso perder tempo aqui conversando, muito menos sujando minhas mãos na terra.  Trate de encontrar outro para fazer isso.

    E virando as costas correu, mais rápido do que a luz, atravessou a floresta, sempre olhando em todas as direções, procurando a sua sorte.  Corria tão rápido que nem percebeu que ia tropeçando no lobo, mais magro ainda e mais fraco.

    – Ei, moço, venha cá… Espero que você tenha falado com Deus, pois eu sinto que não tenho mais tempo de vida.  O Criador falou alguma coisa sobre mim?

    O homem se dirigiu a ele com pressa e disse:

    – Falou, falou sim.  O Criador de todas as coisas que vivem e respiram mandou lhe dizer que o seu problema é fome, você está morrendo de inanição.  Ele disse que você deve esperar aqui até que a criatura mais boba e distraída cruze o seu caminho; então você a come e mata a sua fome. Como não tem forças mais para sair e caçar, eu acho que vai morrer aí mesmo, por que só quando passar por aqui uma criatura muito burra e bastante estúpida…

    E nesse momento, os olhos do lobo se encheram de um brilho estranho, a boca do lobo foi se enchendo d’água, e reunindo todo o restante das forças que tinha, o lobo deu um salto e comeu, de uma vez só, o homem sem sorte.

    O Homem Sem Sorte – conto popular recontado por Inno Sorzy

    Ed. Caravana de Sonhos, 1998.

  • O Profeta- Khalil GIbran

    Depois Almitra pediu: Queríamos que falasses agora da Morte.

    E ele respondeu:
    Vós conheceis o segredo da morte.
    Mas como o encontrareis a menos que o procureis no coração da vida?
    O coruja cujos olhos noturnos são cegos para a claridade, não pode desvendar o mistério da luz.
    Se quereis verdadeiramente conhecer o espírito da morte, abri o vosso coração até ao corpo da vida.
    Pois vida e morte são uma só, tal como o são o rio e o mar.

    Na profundeza dos vossos desejos e esperanças está a consciência silenciosa do além; e tal como as sementes que sonham sob a neve, também o vosso coração sonha com o desabrochar.
    Confiai nos sonhos, pois neles está a porta para a eternidade.
    O vosso medo da morte não é mais do que o temor do pastor quando se vê perante o rei que ergue a sua mão para o honrar.
    E sob a sua tremura, não está feliz o pastor, por trazer em si a insígnia do rei?
    E, no entanto, não está mais consciente do seu tremor?

    Pois o que é morrer senão ficar nu ao vento e fundir-se com o sol?
    E o que é deixar de respirar senão libertar a respiração das suas inquietações a fim de ela poder elevar-se e expandir-se até Deus?
    Só quando beberdes do rio do silêncio sereis capazes de cantar.
    E quando chegardes ao cimo da montanha, podereis então começar a subir.
    E quando a terra reclamar o vosso corpo, então sereis verdadeiramente capazes de dançar.

  • Fala-nos da Religião.

    Em “O Profeta”, Kalil Gibram nos convida a uma profundo mergulho , onde Mustafá (O Profeta) em sua partida de Orfalese, depois de 12 anos, sem que ninguém viesse procurá-lo decide partir de volta à sua cidade. Em sua partida, toda a cidade se reúne e pede que ele conte as suas verdades. Através de perguntas, ele vai respondendo a grandes questões do Humano. Inspirados por essa busca de experienciar a Unidade, trazemos esse trecho do livro.

    E um velho sacerdote disse:
    – Fala-nos da Religião.
    E ele respondeu:
    – Terei falado de outra coisa até agora?
    Não será a religião senão todos os atos e toda a reflexão, e tudo aquilo que não é ato nem reflexão, mas encantamento e surpresa sempre emergentes da alma, mesmo quando as mãos talham a pedra ou trabalham no tear?
    Quem poderá separar a sua fé das suas ações, ou as suas crenças das suas ocupações?
    Quem pode estender as suas horas perante ele dizendo: “Isto é para Deus e isto é para mim, isto é para a minha alma e isto para o meu corpo?”
    Todas as vossas horas são asas que voam no espaço de um eu para o outro eu.
    Aquele que usa a sua moral como a sua melhor indumentária faria melhor se andasse nu.
    O vento e o sol não abrirão buracos na sua pele.
    E aquele que rege a sua conduta pela ética está a aprisionar numa gaiola o pássaro que canta.
    Os cânticos mais livres não saem através de grades nem grilhetas.
    E aquele para quem a devoção é uma janela, para abrir mas também para fechar, ainda não visitou a morada da sua alma cujas janelas vão de aurora a aurora.
    A vossa vida diária é o vosso templo e a vossa religião.
    Cada vez que entrais nela, entrai por inteiro.
    Levai a charrua e a forja, o maço e a lira.
    As coisas de que precisais por necessidade ou prazer.
    Pois em sonhos não podereis erguer-vos acima dos vossos feitos, nem cair mais baixo do que as vossas falhas.
    E levai convosco todos os homens, pois na adoração não podereis voar mais alto do que as suas esperanças, nem humilhar-vos mais baixo do que o seu desespero.
    E se quereis conhecer Deus, não pretendais resolver enigmas.
    Olhai antes à vossa volta e vê-Lo-eis a brincar com os vossos filhos.
    E olhai para o espaço: vê-Lo-eis a caminhar sobre as nuvens, de braços estendidos para a luz, descendo sobre a chuva.
    Vê-Lo-eis sorrindo no meio das flores, e depois erguer-se e agitar as árvores com as Suas mãos.
    Texto extraído do Livro O Profeta de Kalil Gilbram


    Deslocamentos

  • Que é uma Nação? – por Franklin de Oliveira

     

    Esta pergunta, formulou-a no seu curso de filosofia na Universidade Nova de Paris, Georges Politzer, um dos mártires contemporâneos das liberdades humanas, o qual, pela fremente generosidade de seu pensamento e sua heróica grandeza moral, está bem próximo da inexcedível figura de Antônio Gramsci. E respondeu-a para seus alunos-companheiros, com o máximo de simplicidade e de clareza – aquela claridade límpida que é o primeiro e mais alto dever da integridade intelectual.

    Hoje, no Brasil, nestes dias de niilismo nacional em que nos engolfamos, mais do que nunca é necessário renovar a pergunta e respondê-la com a mesma concisa simplicidade.

    Uma nação é, fundamentalmente, uma realidade histórica que se realiza através de características exatamente definidas. Para que ela exista não basta que seja uma comunidade territorial. Precisamente porque é um produto da história, toda Nação só se concretiza através de longa vida comum. A comunidade de território, qualquer que seja sua importância, será sempre dado insuficiente, se não coexistir, com a comunidade idiomática e a comunidade de vida econômica. A comunidade de língua permite a comunicação humana, atuando ainda como instrumento de cultura. Como a comunidade econômica tem-se a base material para a elaboração do produto histórico. Mas esta elaboração não se torna possível se não se estabelecer entre os ocupantes de determinado território uma comunidade vida psíquica, fonte do carácter nacional. E quem estabelece essa comunidade psíquica? A língua? Não, a língua é agente, instrumento. Quem a estabelece é a cultura que pelo seu poder coesivo, surge no contexto da vida nacional tanto como causa quanto como efeito. Como causa quando atua como modelador da alma nacional, pela transmissão doas ideias, dos sentimentos, das aspirações – então atua como força criadora. Mas também ela atua como força conservadora, mantenedora das conquistas obtidas, preservadas dos bens adquiridos, protetora e ampliadora do patrimônio acumulado ao longo do tempo. É quando se mostra como efeito e, assim, converte-se em expressão mais alta da comunidade espiritual, cuja a vida espelha. A cultura é a instituição mais permanente de uma nação, pois cada Nação tem um patrimônio espiritual que reflete sua fisionomia, fixa o seu caráter. É essa comunidade cultural que forja os indestrutíveis liames que fazem irmãos os ocupantes de um território, os que usam a mesma língua – os membros de uma Nação. Fácil é perceber. A Inglaterra é Shakespeare, a Espanha é Cervantes, a Alemanha, Goethe, a Rússia, Tolstoi, a Itália, Leonardo, a França Voltaire, os Estados Unidos, Whitman, a Áustria, Mozart.

    E quem produz a cultura que faz uma Nação? Os empreendedores, os provedores de obras materiais, de puro sentindo pragmático?

    Não, até porque não há iniciativa de índole material, por mínima que seja, que, para ser acionada, não seja precedida de atividade mental – aquela atividade que, no jargão comum, chamam-na de desinteressada. Então, são os portadores de ação mental, os que pensam, os que indagam, os que pesquisam, investigam, os que criam intelectualmente – esses são os que produzem cultura?

    Sim, a cultura pressupõe atividade mental, mas é preciso saber em que sentindo essa atividade se exerce. Pois há mentes que geram apenas niilismo. A atividade mental – a única – que produz cultura é a humanística.
    Que quer dizer isso? Quer dizer que só é atividade humanística aquela que opera no sentido de exaltar, estimular, enriquecer, fazer eclodir e ampliar as excelências do homem – as forças que guiam o homem à magnitude, que o fazem superar-se incessantemente, que levam o homem a reverenciar a vida e amá-la.[…]

    Os bens culturais hoje sob ameaça foram elaborados por brasileiros que portaram espírito humanístico, na concepção Segundo a qual tiveram eles confiança no homem brasileiro, esta confiança que atualmente, templos, conjuntos urbanístico e arquiteturais, escrevendo livros , produzindo documentos, compondo música, esculpindo, pintando, uma espoliada colônia e a elevaram à condição de Nação . Acreditaram na terra e no homem. À terra e ao homem deram o testemunho de sua crença. Não podemos regredir ao que fomos antes deles, quando éramos sitio de saque e pilhagem.

    Que é uma Nação? Não é uma falácia que se compatibilize com a ameaça que nos ronda. É uma realidade pulsante que à falácia se opõe e contrapõe. Ou somos este poder de resistência, ou somos uma caricatura de Nação.

    Texto extraído do Livro: Morte da Memoria Nacional – Franklin de Oliveira

  • Por que escrevo – Eduardo Galeano

    Por que escrevo
    Quero contar a vocês uma história que, para mim, foi muito importante:  a primeira vez em que me senti desafiado pelo ofício de escrever.
    Aconteceu no povoado boliviano de Llallagua, na zona mineira.
    No ano anterior, ali esmo tinha acontecido a matança de San Juan.  Os mineiros estavam celebrando a noite de San Juan, bebendo, dançando.  E lá dos morros que rodeiam o povoado, o ditador Barrientos mandou metralhar todos eles.  Uma matança atroz.
    Cheguei por lá mais ou menos um ano depois, em 68, e lá fiquei por um tempo, graças às minhas habilidades de desenhista.  Porque, entre outras coisas, eu sempre quis desenhar – conseguia desenhar retratos, por exemplo.  E retratei todas as crianças dos mineiros, e fiz também alguns cartazes do carnaval e outros eventos.
    Então me adotaram e passei muito bem, naquele mundo gelado e miserável, onde a pobreza era multiplicada pelo frio.
    Chegou a noite da despedida.  Os mineiros meus amigos, armaram uma despedida com muita bebida – bebemos, cantamos, contamos piadas… cada uma pior que a outra.
    E eu sabia que às cinco ou seis da manhã, soaria a sirene que os chamaria para o trabalho na mina.
    E seria a hora de dizer adeus.
    Quando o momento estava chegando, eles me rodearam e me pediram uma coisa.  Disseram:
    – Conta, conta pra gente como é o mar.
    E eu fiquei atônito porque não me vinha nenhuma ideia.
    Os mineiros eram homens condenados a uma morte antecipada nas tripas da terra, por causa do pó de sílica.  A média de vida era de trinta, trinta e cinco anos, não mais.
    Eu sabia que eles jamais veriam o mar, que iam morrer muito antes de qualquer possibilidade de ver o mar, porque estavam condenados pela miséria a nunca sair daquele povoado.
    Então eu tinha a responsabilidade de levar o mar a eles, de encontrar palavras que fossem capazes de molhar todos eles, para que pudessem sentir o gosto e o cheiro do mar.
    E esse foi meu primeiro desafio de escritor, a partir da certeza de que escrever serve para alguma coisa.

    Eduardo Galeano – “O Caçador de Histórias” – Ed. L&PM

  • Lição de Sabedoria

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    Um cientista muito preocupado com os problemas do mundo, passava dias em seu laboratório, tentando encontrar meios para minorá-los.

    Certo dia, seu filho de 7 anos invadiu seu santuário decidido a ajudá-lo. O cientista nervoso pela interrupção, tentou fazer o filho brincar em outro lugar. Vendo que seria impossível removê-lo, procurou algo que pudesse distrair a criança. De repente deparou-se com o mapa do mundo em uma revista. Recortou o mapa em vários pedaços e junto com um rolo de fita adesiva, entregou ao filho dizendo:

    – Vou lhe dar o mundo para consertar. Aqui está ele todo despedaçado. Veja se consegue consertá-lo, mas faça tudo sozinho.

    Pelos seus cálculos o filho levaria dias para montar o quebra cabeças e “consertar o mundo”. Porém em alguns minutos o menino lhe chamou calmamente:

    – Papai! Já terminei!

    A princípio, o cientista não deu crédito as palavras do filho. Pois seria impossível a uma criança de 7 anos recompor o mapa do mundo em tão pouco tempo, ainda mais que jamais havia visto tal mapa.

    Relutante o cientista levantou os olhos das suas anotações, certo que veria um trabalho digno de uma criança. Mas para sua surpresa o mapa estava perfeito. Todos os pedaços haviam sido colocados nos devidos lugares. Como seria possível? Como o menino havia conseguido?
    – Você não sabia como deveria ser o mundo meu filho, como conseguiu?

    – Verdade pai, eu não sabia como deveria ser o mundo, mas eu vi, quando o senhor recortou a figura do mundo da revista, que do outro lado havia um homem, Quando você me deu o mundo para consertar eu tentei e não consegui.

    Foi aí que me lembrei do homem. Virei os recortes e comecei a consertar o homem, que eu sabia como era.

    Quando acabei de consertar o homem, virei a folha e vi que havia consertado o mundo.

    Autor DesconhecidoScreen Shot 2019-01-26 at 11.55.53

  • A Semente da Verdade

    A Semente da Verdade


    O Imperador, já caminhando para a velhice, sentiu-se na necessidade de indicar e preparar aquele que seria o herdeiro do trono. Como não tinha filhos e nem parentes próximos, resolveu que escolheria o seu sucessor entre todas as crianças do reino, então as convocou para um encontro no palácio.

    Entre elas estava o neto de um mestre jardineiro.
    No dia marcado o menino dirigiu-se até o palácio, onde havia milhares de pequenos súditos. Ouviu então o Imperador dizer em tom forte e sereno:
    – Crianças, preciso escolher entre vocês aquele que será o meu sucessor. Mas para isso lhes darei uma missão. Aquele que cumpri-la será o futuro imperador. Prestem atenção: cada um de vocês levará para casa uma semente que eu lhes darei. Cultivem-na em um vaso e cuidem dela. O trono, portanto, será daquele que me trouxer, daqui a um ano, a planta mais bonita.
    Como o neto do jardineiro aprendeu o gosto pelas plantas, com certeza faria um ótimo trabalho. Preparou a terra com carinho, colocou a semente, regou, ofereceu a luz necessária, tudo como o avô havia lhe ensinado.
    Porém, o tempo passava e por mais que menino se esforçasse, a semente não brotava. Fez tudo o que podia ao longo do ano, mas seus esforços não adiantaram.
    O ano passou rápido para o menino e o dia marcado pelo Imperador chegou, mas sua semente não havia brotado. Ele estava tão envergonhado que não sentia nem mesmo vontade de comparecer ao encontro. Como poderia enfrentar as outras crianças, como encarar o Imperador? Triste e preocupado foi se aconselhar com o avô, que lhe disse:
    – Meu querido neto, o que este velho tem para lhe dizer é que seja honesto. Vá até o Imperador e diga a verdade. Diga que sua dedicação foi grande, mas a semente infelizmente não brotou. Não se envergonhe, apenas explique o que você fez!
    O menino, obediente ao avô, rumou para o palácio cheio de coragem. Entretanto, ao chegar lá, ficou ainda mais envergonhado, pois era a única criança que não levava consigo uma belíssima planta.
    O imperador chamava as crianças uma a uma e examinava os vasos. Não sorria nem esboçava contentamento.
    O neto do jardineiro ficava cada vez mais temeroso, pois se o Imperador não havia até agora aprovado aquelas plantas maravilhosas, o que não diria de seu vaso contendo apenas terra?
    O menino foi ficando para trás e quando se deu conta, era o último da fila. Mas sua vez chegou e ele não poderia mais adiar o temido encontro com o Imperador.
    – E você meu jovem, o que tem aí para mim?
    O menino não pode conter as lágrimas. Com a cabeça baixa mostrou o vaso ao Imperador e disse:
    – Senhor, sou neto de um grande jardineiro, aprendi com ele a cuidar das plantas e a respeitá-las, mas por mais que eu tenha me esforçado a semente não brotou. Meu avô ajudou também a pensar sobre o que lhe diria neste momento e optei por dizer a verdade, contar meu esforço e pedir-lhe perdão.
    – Não se envergonhe criança, você fez o que pode.
    Após dizer estas palavras o Imperador se levantou e olhando para multidão disse:
    – Eis aqui aquele que prepararei para ser o seu governante. Eis aqui o meu sucessor!
    As crianças e principalmente os pais que as acompanhavam entreolharam-se indignadas e antes que ousassem questionar sobre a escolha, o Imperador foi logo dizendo:

    – Permitam-me explicar: eu havia queimado todas as sementes antes de entregá-las às crianças. Portanto, nenhuma delas germinaria. E entre todas as crianças que aqui estão, ele foi a única que plantou a semente da verdade!

    “A Semente da Verdade” – conto folclórico oriental, recontado por Patrícia Engel Secco, Fundação Educar DPaschoal

     

  • Hino da Pérola

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    “Quando eu era criancinha, demasiado novo para falar, e morava no Reino da Casa de meu Pai, deleitando-me na riqueza e no esplendor daqueles que me nutriam, meus pais me enviaram do Oriente, nosso lar, numa missão, equipado com suprimentos para a jornada. Das riquezas de nossos tesouros eles me deram um grande carregamento, mas que era leve, para que eu pudesse carregá-lo sozinho.

    A carga consistia de ouro das terras altas, prata dos grandes tesouros, jóias de esmeraldas da Índia e ágatas de Kushan. E cingiram-me com diamantes. Retiraram a minha veste cravejada de joias e adornada de ouro que, por seu amor, haviam feito para mim, e meu manto de púrpura, confeccionado na minha exata medida.

    E fizeram um pacto comigo, gravando-o em meu coração para que eu não pudesse esquecê-lo, dizendo isto: ‘Se tu fores ao Egito e dali trouxeres a pérola que se encontra no meio do mar, envolta pela serpente voraz, então colocarás outra vez a veste cravejada de joias e, por cima, o manto que tanto aprecias e serás um herdeiro de nosso reino, juntamente com teu irmão, o segundo em nossa hierarquia.

    Deixei o Oriente e parti acompanhado de dois guias, pois o caminho era difícil e perigoso e eu era jovem para uma tal viagem. Atravessei as fronteiras de Maishan, o lugar de encontro dos mercadores orientais, cheguei à Terra de Babel e entrei pelas muralhas de Sarbug. Continuei e, chegando ao Egito, meus acompanhantes separaram-se de mim.

    Incontinente procurei a serpente, estabelecendo-me próximo de sua morada, aguardando a ocasião em que ela ficasse sonolenta e fosse dormir, para então tirar-lhe a pérola. Como estava sozinho e me mantinha à parte, parecia um estranho para meus companheiros de hospedagem. Entretanto, lá eu vi um homem livre, meu parente da terra da Alvorada, um jovem formoso e bem favorecido, filho de nobres. Ele veio e juntou-se a mim.

    Fi-lo meu parceiro predileto, um parceiro para minhas jornadas. Como constante companheiro alertou-me sobre os egípcios, para que evitasse misturar-me com os impuros. Pois, havia me vestido como eles, para que não pudessem imaginar que eu era estrangeiro e tinha vindo de longe para apossar-me da pérola e pudessem assim incitar a serpente contra mim.

    Mas por alguma razão, eles souberam que eu não era de seu país. Com suas artimanhas, apresentaram-se a mim e ofereceram-me seus alimentos para comer. Ao prová-los, esqueci-me que era filho de um Rei e tornei-me um servo do rei deles. Esqueci completamente a pérola para a qual meus pais me haviam enviado e, com o peso de seus alimentos, mergulhei num sono profundo.

    Meus pais percebiam tudo aquilo que estava acontecendo, e ficaram ansiosos.

    Foi feita então uma proclamação em nosso Reino: que todos se apresentassem rapidamente no pórtico. E então os reis e chefes de Partia e todos os nobres do Levante decidiram que eu não deveria ficar no Egito. Escreveram-me uma carta e nela todos os nobres assinaram seu nome:

    “De parte de teu pai, o Rei dos Reis, de tua mãe, Senhora do Levante, e de nosso segundo, teu irmão, ao nosso filho no Egito, saudações! Acorda e desperta de teu sono. Ouve as palavras de nossa carta! Lembra-te que és filho de um rei; vê a quem serviste em tua escravidão. Pensa outra vez sobre a pérola, a razão pela qual viajastes ao Egito. Lembra-te de tua veste gloriosa e de teu esplêndido manto, para que possas outra vez vesti-los e usá-los como ornamentos, e para que teu nome possa ser lido no Livro dos Heróis, e com nosso sucessor, teu irmão, possas ser herdeiro em nosso reino.”

    A carta, que o Rei havia lacrado com sua mão direita, era como um mensageiro contra a ameaça dos filhos de Babel e dos rebeldes demônios do Labirinto. Ela voou na forma de uma águia, a rainha de todas as aves; voou até pousar ao meu lado, transformando-se num discurso inteiro. Com sua voz e o som de sua asas, levantei-me, despertando de meu sono profundo. Tomei-a, beijei-a, parti seu lacre e a li. As palavras de minha carta estavam redigidas como as que estavam escritas em meu coração.

    Lembrei-me naquele momento que eu era filho de rei e que minha alma, nascida livre, tinha saudade daqueles da mesma natureza. Lembrei-me novamente da pérola, pela qual eu havia sido enviado em missão ao Egito. E comecei a cativar a terrível e ruidosa serpente. Encantei-a para dormir, cantando para ela o nome de meu Pai, o nome de nosso segundo e o de minha mãe, a Rainha do Oriente.

    Apoderei-me, então, da pérola e parti em direção à casa de meu Pai. Retirei as vestimentas sujas e impuras, deixando-as em seu país de origem. Dirigi-me para o caminho pelo qual havia vindo, a estrada que leva à Luz de nossa casa, o Oriente. No caminho, encontrei diante de mim a mensagem que havia me despertado. E assim como ela havia me despertado com sua voz, agora me orientava com sua luz que brilhava à minha frente; com sua voz vencia meu temor, e com seu amor me conduzia.

    Eu segui adiante… Vislumbrava, às vezes, as vestes reais de seda, brilhando diante de mim. Segui adiante; passei pelo Labirinto; deixei a Terra de Babel à esquerda; e cheguei a Maishan, o lugar de encontro dos mercadores, que se localiza na costa.

    Meus pais enviaram-me a Veste de Glória que eu havia despido e o Manto que a cobria. Enviaram-nos das alturas de Hyrcânia, pelas mãos de seus distribuidores de tesouros, pois que, por sua lealdade, a eles podiam ser confiados. Sem me lembrar de seu esplendor, pois a havia deixado na Casa de meu Pai na minha infância, ao vê-la, imediatamente a Veste pareceu-me como a imagem de mim mesmo.

    Percebi nela todo o meu ser e, por meio dela, reconheci-me e percebi-me. Pois, apesar de termos sido originados da mesma unidade, éramos parcialmente divididos e, no entanto, éramos também unos em semelhança. Também, os tesoureiros que a haviam trazido do alto para mim, vi que eram dois seres, mas havia uma única forma em ambos, um único símbolo real consistindo de duas metades. E traziam meu dinheiro e minha riqueza em suas mãos e deram-me minha recompensa.

    A gloriosa veste reluzente, enfeitada com brilhante esplendor de cores: com ouro, pérolas e também com pedras preciosas de diferentes cores. Para realçar sua grandeza estava cingida com diamantes. (Além disso) a Imagem do Rei dos Reis estava estampada inteiramente nela; pedras de safiras tinham sido afixadas na gola com lindo efeito.

    Percebi que movimentos de Gnosis abundavam em toda sua extensão, e que estava se preparando como que para falar. Ouvi o som de sua música, que sussurrava ao descer: ‘Sou eu que pertence àquele que é mais forte do que todos os seres humanos e para o qual fui indicada pelo próprio Pai. E percebi em mim como minha estatura aumentava com sua atividade’.

    E (agora), com seus movimentos reais, ela vinha em minha direção, como que apressada nas mãos de seus doadores, para que eu pudesse (tomá-la e) recebê-la. E de minha parte, também, meu amor instava-me a correr ao seu encontro e tomá-la. Estendi-me para recebê-la; com sua beleza colorida vesti-me e enrolei-me em meu manto de cores resplandecentes.

    Vestido dessa forma, ascendi ao Portal das Boas Vindas e da Reverência. Inclinei minha cabeça e prestei homenagem à glória do Pai que a havia enviado, cujas ordens eu havia cumprido, e que, de sua parte, também havia feito o que prometera. Ele recebeu-me com alegria, e fiquei com Ele em seu Reino, e todos seus súditos estavam cantando hinos com vozes reverentes. Ele permitiu-me também ser levado à corte do Rei em sua companhia, para que com a pérola eu pudesse comparecer diante do Rei.”

    Antigo Mito Gnóstico

  • Poesia do Rumi

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    Vem.
    Conversemos através da alma.
    Revelemos o que é secreto aos olhos e ouvidos.
    Sem exibir os dentes,
    sorri comigo, como um botão de rosa.
    Entendamo-nos pelos pensamentos,
    sem língua, sem lábios.
    Sem abrir a boca,
    contemo-nos todos os segredos do mundo,
    como faria o intelecto divino.
    Fujamos dos incrédulos
    que só são capazes de entender
    se escutam palavras e vêem rostos.
    Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
    Já que todos somos um,
    falemos desse outro modo.
    Como podes dizer à tua mão: “toca”,
    se todas as mãos são uma?
    Vem, conversemos assim.
    Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
    Fechemos pois a boca e conversemos através da alma.
    Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
    Vem, se te interessas, posso mostrar-te.
    ~ Rumi

  • Enraizar-se no sagrado

    Enraizar-se no sagrado – Por Lina Carmo

     

    A fé enraizada no corpo molda o vaso (atanor*) estruturante para abraçar a totalidade alquímica da vontade transformadora. O corpo foi criado para dançar. A energia do movimento tem o poder de alinhar nossos sentidos. Estão em nossas células os códigos do despertar. É pelo ouvido biológico que ouvimos os estalos mediúnicos existentes em cada ser humano. Uma dança altamente inspirada revela arquiteturas de movimentos completos em si. São perfeitos saberes perenes. Através do teor vibratório destas danças experimentaremos o impulso sagrado que no enraíza em nós mesmos. A ciência esotérica fala de um alinhamento com o antakarana, uma antena por onde atraíamos tudo que é necessário ao caminho de volta. O sufismo fala de uma filosofia para o autoconhecimento e contato com o divino. Um movimento sagrado contém a vibração perfeita que nos surpreende por percebemos fisicamente a presença de algo superior.

    O dervixe dança para o Criador. Isto pode parecer incompreensível ao observador. É um ato de reconexão com a força criadora. O corpo não é nossa morada eternal. É canal para que a alma consolide sua dança. A dança da leveza.

    O corpo absorve tudo do mestre interior. A maestria não impõe nada , nem mesmo a própria energia de luz. As mãos em oração têm o poder de moldar uma vontade superior.

    O que resta é a presença , o caráter. O artista vai fazendo sua história sem se preocupar com que ganha ou perde. Os caminhos são árduos e confusos. Na sintonia amorosa, o eu elucidado não precisa dominar. Justamente, a arte é a superação do eu existencial para o self transcendente. O mergulho é infinito. E na dança exercitamos a união entre a Terra e o Céu, nosso duplo pertencimento. Por meio da arte podemos canalizar grande quantidade de energia divina. A força criativa em movimento dança os cinco elementos. Dançar pode ser a conexão com o vento que é sopro e transparência do espírito. Dançar pode ser fluido como a água que tudo dissolve, purifica. Dançar é repousar no chão adquirindo a firmeza perene de uma grande rocha. Dançar é também o festejo flamejante da luz do sol. Dançar é o éter do sonhador que ascende.

    Aquele que se precipita pelos caminhos da dança precisa de paciência para subir a escadaria labiríntica do espírito. Sempre pronto a emanar no corpo adestrado, o espírito pode ser o som que surge de uma vibração invisível. Também o movimento que se manifesta em deslocamento nasce do impulso. A duração de um movimento depende da energia impelida. A fluência orgânica da dança é como um rio. Uma coreografia deve trazer a convicção de um grande arco, uma estrela, uma mandala.

    Dançar é ser sincero. Sendo amplo nas formas de agir e permanente na escolha de ser. Tudo que dói pode também libertar. O espaço transcendido contém a luz manifestada. Acordo a cada passo. Pisar no chão é meu exercício de convicção cotidiana. Meu corpo precipita sua vontade de ser feliz. Dançar com o coração ajuda a entender a lógica de Laban de que “espaço é o aspecto escondido do movimento e o movimento é um aspecto visível do espaço”. Faz sentindo dizer que a energia existente no universo é o que nos interpenetra. “Atrás de todo mistério existe uma verdade muito simples”, dizia Marceau. Dançar é uma atividade delicada, mesmo dentro dos momentos de extrema pulsão. Transcendemos a carne e os ossos pela verdade do movimento. Esta verdade agradece as articulações do corpo e sua natureza…….

    (Trecho do livro “Corpo no Mundo”, de Lina Carmo)

    *O atanor também chamado forno cósmico, é um forno utilizado na alquimia para fornecer calor para a digestão alquímica. Era considerado o forno filosófico, o qual deveria permitir a obtenção da pedra filosofal (lapis philosophorum)

  • A ARTE DE VIVER

    A ARTE DE VIVER – por Osho

    O homem nasce para atingir a vida, mas tudo depende dele. Ele pode perdê-la. Ele pode seguir respirando, ele pode seguir comendo, ele pode seguir envelhecendo, ele pode seguir se movendo em direção ao túmulo – mas isso não é vida. Isso é morte gradual, do berço ao túmulo, uma morte gradual com a duração de setenta anos. E porque milhões de pessoas ao redor de você estão morrendo essa morte lenta e gradual, você também começa a imitá-los. As crianças aprendem tudo daqueles que estão em volta delas e nós estamos rodeados pelos mortos. Então temos que compreender primeiro o que endentemos por ‘vida’. Ela não deve ser simplesmente envelhecer. Ela deve ser desenvolver-se. E isso são duas coisas diferentes. Envelhecer, qualquer animal é capaz. Desenvolver-se é prerrogativa dos seres humanos. Somente uns poucos reivindicam esse direito.

    Desenvolver-se significa mover-se a cada momento mais profundamente no princípio da vida; significa afastar-se da morte – e não ir na direção da morte. Quanto mais profundo você vai para dentro da vida, mais entende a imortalidade dentro de você. Você está se afastando da morte: chega um momento em que você pode ver que a morte não é nada, é apenas um trocar de roupas ou trocar de casas, trocar de formas – nada morre, nada pode morrer. A morte é a maior ilusão que existe.

    Como desenvolver-se? Simplesmente observe uma árvore. Enquanto a árvore cresce, suas raízes crescem para baixo, tornam-se mais profundas. Existe um equilíbrio: quanto mais alto a árvore vai, mais fundo vão as raízes. Na vida, desenvolver-se significa crescer profundamente para dentro de si mesmo – que é onde suas raízes estão.

    Para mim, o primeiro princípio da vida é a meditação. Tudo o mais vem em segundo lugar. E a infância é o melhor momento. À medida que você envelhece, significa que você está chegando mais perto da morte, e se torna mais e mais difícil entrar em meditação. Meditação significa entrar na sua imortalidade, entrar na sua eternidade, entrar na sua divindade. E a criança é a pessoa mais qualificada porque ela ainda está sem a carga da educação, sem a carga de todo o tipo de lixo. Ela é inocente. Mas infelizmente a sua inocência está sendo considerada como ignorância. Ignorância e inocência tem uma similaridade, mas elas não são a mesma coisa. Ignorância também é um estado de não conhecimento, tanto quanto a inocência é. Mas também existe uma grande diferença que passou despercebida por toda a humanidade até agora. A inocência não é instruída – mas também não é desejosa de ser instruída. Ela é totalmente contente, preenchida…

    O primeiro passo na arte de viver será criar uma linha de demarcação entre ignorância e inocência. Inocência tem que ser apoiada, protegida – porque a criança trouxe com ela o maior tesouro, o tesouro que os sábios encontram depois de esforços árduos. Os sábios têm dito que se tornaram crianças novamente, que eles renasceram…

    Sempre que você perceber que perdeu a oportunidade da vida, o primeiro princípio a ser trazido de volta é a inocência. Abandone o seu conhecimento, esqueça as suas escrituras, esqueça as suas religiões, suas teologias, suas filosofias. Nasça novamente, torne-se inocente – e a possibilidade está em suas mãos. Limpe a sua mente de todo conhecimento que não foi descoberto por você mesmo, de todo conhecimento que foi tomado emprestado dos outros, tudo o que veio pela tradição, convenção, tudo o que lhe foi dado pelos outros – pais, professores, universidades. Simplesmente desfaça-se disso. Novamente seja simples, mais uma vez seja uma criança. E esse milagre é possível pela meditação.

    Meditação é apenas um método cirúrgico não convencional que corta tudo aquilo que não é seu e só preserva aquilo que é o seu autêntico ser. Ela queima tudo o mais e o deixa nu, sozinho embaixo do sol, no vento. É como se você fosse o primeiro homem que tivesse descido na Terra – que nada sabe e que tem que descobrir tudo, que tem que ser um buscador, que tem que ir em peregrinação.

    O segundo princípio é a peregrinação. A vida deve ser uma busca – não um desejo, mas uma pesquisa: não uma ambição para tornar-se isso, para tornar-se aquilo, um presidente de um país, ou um primeiro-ministro, mas uma pesquisa para encontrar ‘Quem sou eu?’. É muito estranho que as pessoas que não sabem quem elas são, estão tentando se tornar alguém. Elas nem mesmo sabem quem elas são neste momento! Elas não conhecem os seus seres – mas elas têm um objetivo de vir a ser. Vir a ser é a doença da alma. O ser é você e descobrir o seu ser é o começo da vida. Então cada momento é uma nova descoberta, cada momento traz uma alegria. Um novo mistério abre as suas portas, um novo amor começa a crescer em você, uma nova compaixão que você nunca sentiu antes, uma nova sensibilidade a respeito da beleza, a respeito da bondade.

    Você se torna tão sensível que até a menor folha de grama passa a ter uma importância imensa para você. Sua sensibilidade torna claro para você que essa pequena folha de grama é tão importante para a existência quanto a maior estrela; sem esse folha de grama, a existência seria menos do que é. E essa pequena folha de grama é única, ela é insubstituível, ela tem a sua própria individualidade.

    E essa sensibilidade criará novas amizades para você – amizades com árvores, com pássaros, com animais, com montanhas, com rios, com oceanos, com as estrelas. A vida se torna mais rica enquanto o amor cresce, enquanto a amizade cresce…

    Quando você se torna mais sensível, a vida se torna maior. Ela não é um pequeno poço, ela se torna oceânica. Ela não está confinada a você, sua esposa e seus filhos – ela não é confinada de jeito algum. Toda essa existência se torna a sua família e a não ser que toda essa existência seja a sua família, você não conheceu o que é a vida. – porque homem algum é uma ilha, nós estamos todos conectados. Nós somos um vasto continente, unidos de mil maneiras. E se o nosso coração não está cheio de amor pelo todo, na mesma proporção a nossa vida é diminuída.

    A meditação lhe traz sensibilidade, uma grande sensação de pertencer ao mundo. Este é o nosso mundo – as estrelas são nossas e nós não somos estrangeiros aqui. Nós pertencemos intrinsecamente à existência. Nós somos parte dela, nós somos o coração dela.

    Em segundo lugar, a meditação irá lhe trazer um grande silêncio – porque todo o lixo do conhecimento foi embora, pensamentos que são partes do conhecimento foram embora também… Um imenso silêncio e você é surpreendido – esse silêncio é a única música que existe. Toda música é um esforço para manifestar esse silêncio de algum modo.

    Os videntes do antigo oriente foram muito enfáticos a respeito da questão de que todas as grandes artes – música, poesia, dança, pintura, escultura – são todas nascidas da meditação. Elas são um esforço para, de algum modo, trazer o incompreensível para o mundo do conhecimento para aqueles que não estão prontos para a peregrinação. São presentes para aqueles que ainda não estão prontos para partirem na peregrinação. Talvez uma canção possa despertar um desejo de ir em busca da fonte, talvez uma estátua ou outra expressão de arte.

    Na próxima vez que em você entrar em um templo de Gautama Buda ou de Mahavira, sente-se silenciosamente e olhe a estátua… porque a estátua foi feita de tal forma, em tal proporção que se você olhá-la, você cairá em silêncio. É uma estátua de meditação; não é a respeito de Gautama Buda ou de Mahavira…

    Naquele estado oceânico, o corpo toma uma certa postura. Você próprio já observou isso, mas não estava alerta. Quando você está com raiva, você observou? seu corpo toma uma certa postura. Na raiva você não pode manter as suas mãos abertas: na raiva, a mão se fecha. Na raiva você não pode sorrir – ou você pode? Com uma certa emoção, o corpo tem que seguir uma certa postura. Pequenas coisas estão profundamente relacionadas no interior…

    Uma certa ciência secreta foi usada por séculos, de modo que as gerações futuras pudessem entrar em contato com as experiências das gerações mais velhas, não através de livros ou de palavras, mas através de algo que vai mais profundo: através do silêncio, através da meditação, através da paz. À medida que seu silêncio cresce, sua amizade cresce, seu amor cresce; sua vida se torna uma dança, momento a momento, uma alegria, uma celebração.

    Você já pensou sobre o porquê, em todo o mundo, em toda cultura, em toda sociedade, existem uns poucos dias no ano para a celebração? Esses poucos dias para a celebração são apenas uma compensação – porque essas sociedades tiraram toda a celebração de sua vida e se nada é dado para você em compensação, sua vida pode tornar-se um perigo para a cultura. Toda cultura criou alguma compensação e assim você não se sentirá completamente perdido na miséria, na tristeza… Mas essas compensações são falsas. Mas no seu mundo interior pode existir uma continuidade de luz, canções, alegria.

    Sempre lembre-se que a sociedade o compensa quando ela sente que a repressão pode explodir em uma situação perigosa se não for compensada. A sociedade encontra algum jeito de lhe permitir soltar a repressão. Mas isso não é a verdadeira celebração, e não pode ser verdadeira. A verdadeira celebração deveria vir de sua vida, na sua vida.

    E a celebração não pode estar de acordo com o calendário, que no primeiro dia de novembro você irá celebrar. Estranho, o ano todo você é miserável e no primeiro dia de novembro, de repente, você sai da miséria, dançando. Ou a miséria era falsa ou o primeiro de novembro é falso.; ambos não podem ser verdadeiros. E uma vez que o primeiro de novembro se vai, você está de volta em seu buraco negro, todo mundo em sua miséria, todo mundo em sua ansiedade.

    A vida deveria ser uma celebração contínua, um festival de luzes por todo o ano. Somente então você pode se desenvolver, você pode florir. Transforme pequenas coisas em celebração… Tudo o que você faz deveria expressar a si próprio; deveria ter a sua assinatura. Então a vida se torna uma celebração contínua.

    Inclusive se você adoece e você está deitado na cama, você fará daqueles momentos de repouso, momentos de beleza e alegria, momentos de relaxamento e descanso, momentos de meditação, momentos para ouvir música ou poesia. Não há necessidade de ficar triste porque você está doente. Você deveria estar feliz porque todo mundo está no escritório e você está na cama como um rei, relaxando; alguém está preparando chá para você, o samovar está cantando uma canção, um amigo se oferece para vir e tocar flauta para você. Essas coisas são mais importantes do que qualquer remédio. Quando você está doente, chame um médico. Mas, mais importante, chame aqueles que o amam porque não existe remédio mais importante que o amor. Chame aqueles que podem criar beleza, música, poesia à sua volta, porque não existe nada que cure como uma atmosfera de celebração.

    O medicamento é o mais baixo tipo de tratamento. Mas parece que nós esquecemos tudo, assim nós temos que depender dos medicamentos e ficar rabugentos e tristes – como se você estivesse perdendo uma grande alegria que havia quando você estava no escritório! No escritório você era miserável – simplesmente um dia de folga, mas você também se agarra à miséria, você não a deixa ir.

    Faça todas as coisas criativas, faça o melhor a partir do pior – isso é o que eu chamo de arte. E se um homem viveu toda a vida fazendo a todo momento uma beleza, um amor, um desfrute, naturalmente a sua morte será o supremo pico no empenho de toda a sua vida.

    Os últimos toques… sua morte não será feia como ordinariamente acontece todo dia com todo mundo. Se a morte é feia, isso significa que toda a sua vida foi um desperdício. A morte deveria ser uma aceitação pacífica, uma entrada amorosa no desconhecido, um alegre despedir-se dos velhos amigos, do velho mundo…

    Comece com a meditação e muitas coisas crescerão em você – silêncio, serenidade, êxtase, sensibilidade. E o que quer que venha com a meditação, tente trazer para a sua vida. Compartilhe isso, porque tudo o que é compartilhado cresce mais rápido. E quando você atingir o momento da morte, você saberá que não existe morte. Você pode dizer adeus, não existe nenhuma necessidade de lágrima de tristeza – talvez lágrimas de felicidade, mas não de tristeza.

    Osho

     

  • A Terra de Mil Povos

    A Terra de Mil Povos – por Kaká Verá

    Tupi, Guarani, Tupinambá, Tapuia, Xavante, Kamayurá, Yonomani, Kadiweu, Txukarramãe, Kaingang, Krahô, Kalapolo, Yawalapiti… são nomes que pulsam no chão dessa terra chamada Brasil, formando raízes, troncos, galhos e frutos. São raças? Nações? Etnias?
    São memória viva do tempo em que o ser caminhava com a floresta, os rios, as estrelas e as montanhas no coração e exercia o fluir de Si.
    Esses clãs, tribos, povos têm uma árvore em comum que remete aos nomes: Tupy, Jê, Karib e Aruak. Mas, antes da chegada das Grandes Canoas-Ventos do século XVI, o que podemos chamar de povo nativo era olhado e nomeado, do ponto de vista tupi, como Filhos da Terra, Filhos do Sol e Filhos da Lua. Na língua abanhaenga também se dizia Tupinambá, Tupy-Garani e Tapuia. Os povos Tapuia eram uma vastidão nômades, de muitos dialetos, que seguiram a Tradição do Sonho. Os Tupy dividiram-se em Tupinambá e Tupy-Guarani e trouxeram dos anciãos da raça vermelha a Tradição do Sol e da Lua.
    A história indígna do Brasil transcorre então como a germinação dessas três qualidades de povos: os povos da Tradição do Sonho, os da Tradição do Sol, e os da Tradição da Lua.
    A Tradição do Sol e da Lua em um passado remoto eram uma só e foram ensinadas pelos anciães da raça vermelha como Ayuu Rapyta, que pode ser traduzido como ” Os Fundamentos do Ser”, ou “Os Fundamentos da Palavra Habitada”, pois o termo ayuu significa alma, ser, som habitado, palavra habitada”. A raça vermelha é ancestral de todos os principais troncos culturais nativos e deixou como herança a Tradição Una, que com o tempo foi bipartida, tripartida, multiplicada, devido às ações humanas diante dos ciclos da natureza terrena e cósmica e suas respectivas leis. Já a Tradição do Sonho foi germinada pelos Filhos da terra, ou seja, os povos que foram designados como Tapuia, pelos Tupy remanescentes da raça vermelha, depois do Grande Dilúvio da Terra, que Segundo a Sabedoria Sagrada, foi o encerramento do Ciclo Tupã.

  • IKEBANA

    IKEBANA – por Mario Fernandes

     

    Minha trajetória com as flores começou há 9 anos atrás e antes mesmo de fazer parte da escola de Ikebana de alguma forma os arranjos florais já me sensibilizavam. As vivencias nas quais pude participar sempre alavancaram transformações na minha forma de sentir e pensar e por isso hoje busco propagar esse encontro tão especial com as flores.

    A relação do homem com a flor começou há milênios nos diversos grupos étnicos que foram surgindo na face da terra ao longo da evolução das diversas culturas, as flores sempre exerceram um magnetismo especial no olhar humano, diversas formas de utilização das flores como adornos sempre foram agregadas ao próprio corpo de homens e mulheres. Pinturas e desenhos do Egito antigo documentam esta relação íntima, na Índia os colares de flores naturais adornam os cônjuges a séculos e ao longo do tempo a interação das flores com o homem foi se expandindo. Desde tempos remotos as flores são oferecidas às Divindades em todos os cantos do mundo, se acreditava que elas possuíam um espírito, bem como outras formas da natureza. O respeito a vida espiritual das flores é um ponto crucial na arte floral Ikebana.

    IKEBANA é uma palavra japonesa que, traduzindo, significa “dar vida as flores”, ou “vivificar as flores”, mas este sentido é insuficiente. Ikebana é muito mais do que dar vida as flores. É o encontro do ser projetado numa vivificação floral. Isto significa que, através da Ikebana, qualquer um que a execute começa a perceber, a curto prazo, sua própria limitação como pessoa e indivíduo. E na medida em que for expandindo a prática da Ikebana, irá detectando, em cada vivificação floral que fizer, a expressão legítima do seu estado espiritual ou psicológico. E com esta prática, como processo terapêutico, tornar-se-á possível eliminar do nosso corpo material ou espiritual os conflitos intra e endopsíquicos, os sentimentos reprimidos, os recalques, as angustias, os traumas do dia-a-dia, através da simples postura ao fazer ou elaborar a Ikebana. A principio parece difícil compreender estas colocações. No entanto com a prática vai se percebendo que tudo isso é simples, visto que a Ikebana estimula o lado abstrato e criativo do cérebro, dando repouso ao cérebro racional. (Prof. Toshiaki Saito, Titular de psicologia da Universidade Federal do Paraná).

    A Ikebana surgiu na China, de forma despretensiosa sem técnicas elaboradas para arte floral, quando os sacerdotes ofereciam flores nos altares diante da imagem de Buda. No século VI chegou ao Japão, onde se desenvolveu como um tradicional CAMINHO japonês para a obtenção do auto-controle emocional, auto-expressão e iluminação espiritual.

    O princípio básico da tradicional medicina oriental reside na manutenção e ativação da “sabedoria do corpo”. No Japão existe a expressão “aprender com o corpo”, isto é, aprimorar-se em algum “CAMINHO” através da experiência corporal. Sendo assim temos tradicionais “caminhos” no Japão: o teatro “NO”, o “KENDO” (caminho da espada), o” KYUDO” (caminho do arco e flecha), o “JUDO” (caminho da maciez), “CHADO” (caminho do chá), “SHODO” (caminho da caligrafia) e o “KADO” (caminho da flor). Autoria:Dr. Yujiro Ikemi, Revista Izunome, 1999.
    O KADO Sanguetsu foi instituído como Academia de Ikebana no Japão, tendo como Patrono Meishu Sama, difundindo-se para outros países e chegando no Brasil em 1972. Outras escolas de Ikebana foram instituídas no Japão, com estilos próprios como o Ikenobo e o Saga apenas como exemplos. No estilo Sanguetsu, Meishu Sama conhecia o efeito que a pratica da Ikebana exercia sobre o desenvolvimento do cérebro humano. Sabemos que o cérebro funciona espontaneamente mas precisa ser ativado para que desenvolva a capacidade que lhe é inerente em toda sua plenitude, o que é de máxima importância para se viver bem neste mundo conturbado e em transição, onde necessitamos aflorar nossa criatividade e inteligência, e poder manifestar livre e amorosamente nossos sentimentos. O estilo Sanguetsu, é um treinamento ideal para o desenvolvimento do cérebro. Quando alguém interage ou admira a beleza de uma vivificação floral, forma-se dentro dele um universo de sentimentos e sensações de Verdade, de Bem e de Belo.

    Por que o homem sente alegria ao fazer Ikebana? Porque esta arte é o fruto do trabalho conjunto do próprio homem e da Natureza, representada pela flor. Criar e combinar novas formas somente não é bastante para Arte, a verdadeira Arte é aquela que faz acordar as emoções legítimas do ser humano. (autoria: Prof. Teruaki Kitajima, Universidade de Tóquio). Por isso a Ikebana não existe apenas para satisfazer apenas a pessoa que a pratica, mas também, para alcançar o coração e o pensamento do maior número de pessoas possível. Sua prática deve resultar num movimento que faça nascer nas pessoas o amor pela flor, que representa a força vital e a beleza da vida.
    Mario Fernandes.

  • Mãe Natureza (13,7 bilhões – 7 milhões A.C)

    Mãe Natureza

    (13,7 bilhões – 7 milhões A.C)

    Ecos de uma explosão colossal que desencadeou o início do nosso Universo reverberam até hoje , 13,7 bilhões de anos depois do big bang. Microssegundos mais tarde, o universo se expandiu até alcançar bilhões de quilômetros. Algumas estrelas nasceram, outras morreram. Cerca de 9.2 bilhões de anos depois, o Sol constituído de restos de estrelas extintas, entrou em fusão.

     

    Gigantescas bolas poeira quente e gás, reunidas pela força da gravidade do Sol, disputaram uma posição no recém formado sistema solar. Uma colisão entre a jovem Terra e outro planeta , Theia, espalhou tantos escombros que criou nossa lua. Um grande bombardeio de cometas, impelidos através do sistema solar pela ponderosa força de Júpiter , caiu na Terra e se evaporou em forma de chuva. Gases quentes aprisionados no núcleo da Terra escaparam pelos vulcões, formando a primeira atmosfera do planeta.

     

    Algumas centenas de milhões de anos após o flamejante nascimento da Terra, substancias químicas inertes começaram a se duplicar, constituindo seres unicelulares simples, que hoje chamamos de bactérias. Uma dessas formas primitiva usou a luz solar para produzir alimento, liberando oxigênio como resíduo. Ao longo dos 2,5 bilhões de anos seguintes, essas formas simples encheram o ar de suprimentos excedentes do gás vital rico em energia, gerando uma nova atmosfera. O trabalho conjunto da Terra de seu ambiente e das bactérias primitivas melhorou as condições para que se desenvolvessem formas de vida mais sofisticadas. Assim , as bactérias se fundiram para criar células mais complexas, que também começaram a se unir, formando os primeiros seres multicelulares.

     

    Com o tempo, os mares se encherão exóticas – algumas com olhos grandes , em forma de haste, braços em garras e outros apêndices estranhos – graças ao advento da reprodução sexual. A um elenco de esponjas, medusas e corais se juntaram peixes, escorpiões e trilobites. Esporos germinaram na Terra firme e musgos evoluíram ao longo de milhões de anos para formar as plantas herbáceas e as árvores folhosas, capazes de viver a quilômetros de distância da água. Com o aumento dos níveis de oxigênio, as criaturas marinhas vieram à terra firme explorar novas fontes de alimento e abrigo. Insetos gigantescos forneceram alimento aos anfíbios que dominavam a terra. Graças às transformações da vida, o solo terrestre foi coberto por uma camada rica em nutrientes.

     

    Enquanto as placas terrestres colidiam para formar um único supercontinente, Pangeia, ovos de casca dura permitiram aos répteis a reprodução longe da costa. Enormes dinossauros dominaram a Terra , junto com as primeiras flores, aves e novos insetos. Depois, há 65,5 milhões de anos, a queda de um enorme meteorito provocou uma extinção em massa. Uma família de pequenas criaturas noturnas gerou muitos animais grandes e pequenos que ocuparam os continentes da Terra.

  • O menino que carregava água na peneira- Manuel de Barros

    O menino que carregava água na peneira

    Tenho um livro sobre águas e meninos.
    Gostei mais de um menino
    que carregava água na peneira.

    A mãe disse que carregar água na peneira
    era o mesmo que roubar um vento e
    sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

    A mãe disse que era o mesmo
    que catar espinhos na água.
    O mesmo que criar peixes no bolso.

    O menino era ligado em despropósitos.
    Quis montar os alicerces
    de uma casa sobre orvalhos.

    A mãe reparou que o menino
    gostava mais do vazio, do que do cheio.
    Falava que vazios são maiores e até infinitos.

    Com o tempo aquele menino
    que era cismado e esquisito,
    porque gostava de carregar água na peneira.

    Com o tempo descobriu que
    escrever seria o mesmo
    que carregar água na peneira.

    No escrever o menino viu
    que era capaz de ser noviça,
    monge ou mendigo ao mesmo tempo.

    O menino aprendeu a usar as palavras.
    Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
    E começou a fazer peraltagens.

    Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
    O menino fazia prodígios.
    Até fez uma pedra dar flor.

    A mãe reparava o menino com ternura.
    A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
    Você vai carregar água na peneira a vida toda.

    Você vai encher os vazios
    com as suas peraltagens,
    e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!

     

  • O fazedor de amanhecer – Manuel de Barros

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    O fazedor de amanhecer

    Sou leso em tratagens com máquina.
    Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
    Em toda a minha vida só engenhei
    3 máquinas
    Como sejam:
    Uma pequena manivela para pegar no sono.
    Um fazedor de amanhecer
    para usamentos de poetas
    E um platinado de mandioca para o
    fordeco de meu irmão.
    Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
    automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
    Fui aclamado de idiota pela maioria
    das autoridades na entrega do prêmio.
    Pelo que fiquei um tanto soberbo.
    E a glória entronizou-se para sempre
    em minha existência.

     

  • O apanhador de desperdícios- Manuel de Barros

    O apanhador de desperdícios

    Uso a palavra para compor meus silêncios.
    Não gosto das palavras
    fatigadas de informar.
    Dou mais respeito
    às que vivem de barriga no chão
    tipo água pedra sapo.
    Entendo bem o sotaque das águas
    Dou respeito às coisas desimportantes
    e aos seres desimportantes.
    Prezo insetos mais que aviões.
    Prezo a velocidade
    das tartarugas mais que a dos mísseis.
    Tenho em mim um atraso de nascença.
    Eu fui aparelhado
    para gostar de passarinhos.
    Tenho abundância de ser feliz por isso.
    Meu quintal é maior do que o mundo.
    Sou um apanhador de desperdícios:
    Amo os restos
    como as boas moscas.
    Queria que a minha voz tivesse um formato
    de canto.
    Porque eu não sou da informática:
    eu sou da invencionática.
    Só uso a palavra para compor meus silêncios.

     

  • O livro sobre nada- Manuel de Barros

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    O livro sobre nada

    É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
    Tudo que não invento é falso.
    Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
    Tem mais presença em mim o que me falta.
    Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
    Sou muito preparado de conflitos.
    Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
    O meu amanhecer vai ser de noite.
    Melhor que nomear é aludir.
    Verso não precisa dar noção.
    O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
    Meu avesso é mais visível do que um poste.
    Sábio é o que adivinha.
    Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
    A inércia é meu ato principal.
    Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
    Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
    Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
    Peixe não tem honras nem horizontes.
    Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
    Eu queria ser lido pelas pedras.
    As palavras me escondem sem cuidado.
    Aonde eu não estou as palavras me acham.
    Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
    Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
    A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
    Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
    Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
    Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
    Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
    O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
    Por pudor sou impuro.
    O branco me corrompe.
    Não gosto de palavra acostumada.
    A minha diferença é sempre menos.
    Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
    Não preciso do fim para chegar.
    Do lugar onde estou já fui embora.

  • Tratado geral das grandezas do ínfimo – Manuel de Barros

    Tratado geral das grandezas do ínfimo

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    A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
    Meu fado é o de não saber quase tudo.
    Sobre o nada eu tenho profundidades.
    Não tenho conexões com a realidade.
    Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
    Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
    Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
    Fiquei emocionado.
    Sou fraco para elogios.

  • A COMPLICADA ARTE DE VER (Rubem Alves)

    A COMPLICADA ARTE DE VER (Rubem Alves)

    Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”. Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. “Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões – é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões… Agora, tudo o que vejo me causa espanto.”

    Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as “Odes Elementales”, de Pablo Neruda. Procurei a “Ode à Cebola” e lhe disse: “Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: ‘Rosa de água com escamas de cristal’. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta… Os poetas ensinam a ver”.

    Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

    William Blake sabia disso e afirmou: “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.
    Adélia Prado disse: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”. Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

    Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. “Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios”, escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada “satori”, a abertura do “terceiro olho”. Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: “Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram”.
    Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, “seus olhos se abriram”. Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em “Operário em Construção”: “De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa – garrafa, prato, facão – era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção”.

    A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas – e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam… Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.
    Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: “A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas”.

    Por isso – porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver – eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar “olhos vagabundos”…

  • A função da educação- por J. Krishnamurti

    A função da educação- por J. Krishnamurti
    Você já reparou como a maioria das pessoas a sua volta tem pouca energia, inclusive seus pais e professores? Eles estão morrendo aos poucos, mesmo quando seus corpos não estão ainda velhos. Por que? Porque eles foram levados à submissão pela sociedade. Veja, sem compreender seu propósito fundamental que é descobrir essa coisa extraordinária chamada mente, que tem a capacidade de criar submarinos atômicos e aviões à jato, que pode escrever a mais surpreendente poesia e prosa, que pode fazer o mundo tão belo e também destruir o mundo – sem compreender seu propósito fundamente, que é descobrir a verdade ou Deus, esta energia se torna destrutiva; e então a sociedade diz, “Devemos moldar e controlar a energia do indivíduo”. Então, me parece que a função da educação é provocar uma liberação de energia na busca da bondade, verdade ou Deus, o que faz do indivíduo um verdadeiro ser humano e, portanto, o tipo correto de cidadão. Mas simples disciplina, sem completa compreensão de tudo isto, não tem significado, é a coisa mais destrutiva. A menos que cada um de vocês seja educado de tal modo que, quando deixar a escola e entrar no mundo, você está cheio de vitalidade e inteligência, cheio de energia transbordante para descobrir o que é verdade, você meramente será absorvido pela sociedade; você será sufocado, destruído, miseravelmente infeliz pelo resto de sua vida. Como o rio cria as margens que o retém, assim a energia que busca a verdade cria sua própria disciplina sem nenhuma forma de imposição; e o rio chega ao mar, bem como essa energia encontra sua própria liberdade.

  • A HISTÓRIA de MUSKIL GUSHÁ

    A Tradição Sufi se utiliza de histórias como um potente instrumento de educação, cura, ajuda e união. Existe uma história em particular que é contada pelos seguidores do sufismo em todo mundo que se reúnem em grupos sempre às noites de quinta-feira enquanto compartilham tâmaras. Eles atribuem à contação dessa história uma força especial de dissipar as dificuldades de quem a conta e de quem a ouve. Nessa semana a trazemos aqui para os amigos da Terra de Rudá desejando que Muskil Gushá os inspire a solucionarem os seus desafios.

     

    A HISTÓRIA de MUSKIL GUSHÁ

    Era uma vez, a menos de mil milhas daqui, um pobre lenhador viúvo, que vivia com sua pequena filha. Todos os dias costumava ir às montanhas cortar lenha, que levava para casa e atava em feixes. Depois da primeira refeição, caminhava até o povoado mais próximo, onde vendia a lenha e descansava um pouco antes de voltar para casa. Um dia, ao chegar em casa, já muito tarde, a menina lhe disse:
    – Pai, de vez em quando gostaria de ter uma comida melhor, em maior quantidade e mais variada.
    – Está bem, minha filha – disse o velho -, amanhã levantarei mais cedo do que de costume, irei mais alto nas montanhas, onde há mais lenha, e trarei uma quantidade maior do que a habitual. Voltarei mais cedo para casa, atarei os feixes mais depressa e irei logo ao povoado vendê-los para conseguirmos mais dinheiro. E lhe trarei uma porção de coisas deliciosas.
    Na manhã seguinte, o lenhador levantou-se antes da aurora e partiu para as montanhas. Trabalhou arduamente cortando lenha e fez um feixe enorme, que carregou nos ombros até sua casa.
    Ao chegar era ainda muito cedo. Então, colocou a carga no chão e bateu à porta, dizendo:
    – Filha, filha, abra a porta. Estou com sede e fome; preciso comer alguma coisa antes de ir para o mercado.
    Mas a porta continuou fechada. O lenhador estava tão cansado que se deitou no chão, ao lado do feixe de lenha, e logo adormeceu. A menina, esquecida da conversa da noite anterior, dormia profundamente.
    Quando o lenhador acordou, algumas horas depois, o sol já estava alto. Bateu novamente à porta e disse:
    – Filha, filha, abra logo. Preciso comer alguma coisa antes de ir ao mercado vender a lenha, pois já é muito mais tarde do que de costume.
    Mas a menina que tinha esquecido completamente a conversa da noite anterior, tinha se levantado, arrumado a casa e safra para dar um passeio. Em seu esquecimento, e supondo que o pai já tivesse ido para o povoado, deixou a porta da casa fechada.
    Assim, o lenhador disse a si mesmo:
    – Já é muito tarde para ir à cidade. Voltarei para as montanhas e cortarei outro feixe de lenha, que trarei para casa, e amanhã terei carga em dobro para levar ao mercado.
    O lenhador trabalhou duro aquele dia, cortando e enfeixando lenha nas montanhas. Já era noite quando chegou em casa com a lenha nos ombros.
    Pôs o feixe atrás da casa, bateu à porta e disse:
    – Filha, filha, abra a porta. Estou cansado e não comi nada o dia todo. Trago uma dupla carga de lenha, que espero levar ao mercado amanhã. Preciso dormir bem esta noite para recuperar minhas forças.
    Mas não houve resposta, pois a menina, sentindo muito sono ao voltar do passeio, preparou sua comida e foi para a cama. A princípio, ficara preocupada com a ausência do pai, mas tranquilizou-se logo, pensando que ele passaria a noite no povoado.
    Cansado, faminto e com sede, vendo que não podia entrar em casa, o lenhador deitou-se novamente ao lado da lenha. Apesar de preocupado com o que poderia estar acontecendo com a filha, não conseguiu ficar acordado: adormeceu logo. Mas, como estava com muito frio, muita fome e muito cansado, acordou bem cedo na manhã seguinte, antes mesmo de o dia clarear.
    Sentou-se, olhou ao redor, mas não conseguiu ver nada. Mas, nesse momento, aconteceu uma coisa estranha. Pareceu-lhe ouvir uma voz que dizia:
    – Depressa! depressa! Deixa tua lenha e vem por aqui. Se necessitas muito e desejas o suficiente, terás uma refeição deliciosa.
    O lenhador levantou-se e caminhou na direção de onde vinha a voz. Andou, andou e andou, mas não encontrou nada.
    Então sentiu mais cansaço, frio e fome do que antes e, além do mais, estava perdido. Tivera muitas esperanças, mas isso não parecia tê-lo ajudado. Ficou triste, com vontade de chorar, mas percebeu que chorar também não o ajudaria. Assim, deitou-se e adormeceu. Logo depois acordou novamente. Sentia frio e fome demais para poder dormir. Foi então que lhe ocorreu narrar a si mesmo, como se fosse um conto, tudo o que tinha acontecido desde que a filha lhe pedira um tipo de comida diferente.
    Mal terminou sua história, pareceu-lhe ouvir outra voz, vinda de algum lugar no alto, como se saísse do amanhecer, que dizia:
    – Velho homem, velho homem, que fazes sentado aqui?
    – Estou me contando minha própria história – respondeu o lenhador.
    – E qual é?
    O lenhador repetiu sua narração.
    – Muito bem – disse a voz, e a seguir lhe pediu que fechasse os olhos e subisse um degrau.
    – Mas não vejo degrau algum – disse o velho.
    – Não importa, faz o que te digo – ordenou a voz.
    O homem fez o que lhe fora ordenado. Mal fechou os olhos, descobriu que estava de pé e, levantando o pé direito, sentiu que debaixo dele havia algo semelhante a um degrau.
    Começou a subir o que parecia ser uma escada. De repente os degraus começaram a mover-se – moviam-se muito rapidamente – e a voz lhe disse:
    – Não abra os olhos até que eu ordene.
    Não se passara muito tempo, quando a voz mandou que o velho abrisse os olhos. Ao fazê-lo, o lenhador achou-se num lugar que parecia um deserto, com um sol escaldante acima dele. Estava rodeado de montes e montes de pedrinhas de todas as cores: vermelhas, verdes, azuis, brancas. Mas parecia estar só; olhou em volta e não conseguiu ver ninguém. Então, a voz começou a falar de novo:
    – Apanha todas as pedras que puderes, fecha os olhos e desce os degraus.
    O lenhador fez o que lhe mandavam e, quando a voz ordenou que abrisse os olhos novamente, encontrou-se diante da porta de sua própria casa. Bateu à porta, e a sua filha veio atender. Ela lhe perguntou por onde ele tinha andado, e o pai lhe contou o ocorrido, embora a menina mal entendesse o que ele dizia, porque tudo lhe parecia muito confuso.
    Entraram em casa e a menina e o seu pai repartiram a última coisa que lhes restava para comer: um punhado de tâmaras secas. Quando terminaram a comida, o velho achou que estava novamente ouvindo uma voz, uma voz igual àquela que o mandara subir os degraus.
    – Embora ainda não o saibas – disse a voz – foste salvo por Mushkil Gusha. Lembra-te: Mushkil Gusha está sempre aqui. Promete a ti mesmo que todas as quintas-feiras, à noite, comerás umas tâmaras, e darás outras a alguma pessoa necessitada, a quem contarás a história de Mushkil Gusha. Ou darás um presente, em seu nome, a alguém que ajude os necessitados. Promete que a história de Mushkil Gusha nunca, nunca será esquecida. Se fizeres isso, e o mesmo fizerem as pessoas a quem contares a história, os que tiverem verdadeira necessidade sempre encontrarão seu caminho.
    O lenhador então colocou todas as pedras que havia trazido do deserto num canto do casebre. Pareciam simples pedras, e ele não soube o que fazer com elas. No dia seguinte, levou seus dois enormes feixes de lenha ao mercado e os vendeu facilmente, por óptimo preço. Ao voltar para casa, levava para sua filha uma porção de iguarias deliciosas que ela jamais havia provado antes. Quando terminaram de comer, o velho lenhador disse:
    – Agora vou lhe contar a história de Mushkil Gusha. Mushkil Gusha significa “O dissipador de todas as dificuldades”. Nossas dificuldades desapareceram por intermédio de Mushkil Gusha, e devemos lembrá-lo sempre.
    Durante uma semana o homem seguiu sua rotina. Ia às montanhas, trazia lenha, comia alguma coisa, levava a lenha ao mercado e a vendia. Sempre encontrava comprador, sem dificuldade.
    Mas chegou a quinta-feira seguinte e, como é comum entre os homens, o lenhador se esqueceu de contar a história de Mushkil Gusha. Nessa noite, já tarde, apagou-se o fogo na casa dos vizinhos. E, como não tinham com que voltar a acendê-lo, foram à casa do lenhador e disseram:
    – Vizinho, vizinho, por favor, dê-nos um pouco de fogo dessas suas lâmpadas maravilhosas que vemos brilhar através da janela.
    – Que lâmpadas? – perguntou o lenhador.
    – Venha cá e veja – responderam.
    O lenhador saiu e viu claramente a variedade de luzes que, vindas de dentro, brilhavam através de sua janela. Entrou e viu que a luz saía do monte de pedras que havia posto num canto. Mas os raios de luz eram frios e era impossível usá-los para acender fogo. Então, tornou a sair e disse:
    – Sinto muito, vizinhos, não tenho fogo – e bateu-lhes a porta no nariz.
    Os vizinhos ficaram aborrecidos e surpresos e voltaram para casa resmungando. E aqui eles abandonam nossa história.
    Rapidamente, o lenhador e sua filha, com medo que alguém visse o tesouro que possuíam, cobriram as brilhantes luzes com todos os trapos que encontraram. Na manhã seguinte, ao destampar as pedras, descobriram que eram gemas luminosas e preciosas.
    Uma a uma, levaram-nas às cidades dos arredores, onde as venderam por um preço enorme. Então, o lenhador decidiu construir um esplêndido palácio para ele e sua filha.
    Escolheram um lugar que ficava exactamente na frente do castelo do rei de seu país. Pouco tempo depois, um edifício maravilhoso estava construído.
    O rei tinha uma filha muito bonita que uma manhã, ao acordar, viu o castelo, que parecia de contos de fadas, bem em frente ao de seu pai. Muito surpresa, perguntou a seus criados:
    – Quem construiu esse castelo? Com que direito fazem uma coisa dessas tão perto do nosso lar?
    Os criados saíram e investigaram. Ao regressar, contaram à princesa tudo o que conseguiram saber.
    A princesa, muito zangada, mandou chamar a filha do lenhador. Porém, quando as duas meninas se conheceram e se falaram, logo tornaram-se boas amigas. Encontravam-se todos os dias e iam nadar e brincar juntas num regato que o rei mandara fazer para a princesa.
    Alguns dias depois do primeiro encontro, a princesa tirou um colar lindo e valioso e pendurou-o numa árvore à beira do regato. Na volta, esqueceu-se de apanhá-lo e, ao chegar em casa, pensou que o tinha perdido. Reflectindo melhor, porém. concluiu que tinha sido roubado pela filha do lenhador.
    Contou tudo ao pai, que mandou prender o lenhador e confiscou-lhe todos os bens. O homem foi posto na prisão, e sua filha levada para um orfanato.
    Como era costume no país, depois de algum tempo o lenhador foi retirado de sua cela e levado para praça pública, onde o acorrentaram a um poste, tendo pendurado ao pescoço um cartaz onde se lia:
    “E isto que acontece a quem rouba dos reis.”
    A princípio, as pessoas juntavam-se à sua volta zombando dele e atirando-lhe coisas. O lenhador estava muito infeliz. Porém, como é comum entre os homens, logo se acostumaram com o velho sentado junto ao poste e lhe prestavam cada vez menos atenção. Às vezes lhe atiravam restos de comida, às vezes nem mesmo isso.
    Uma tarde, ouviu alguém dizer que era quinta-feira. De imediato veio-lhe à mente o pensamento de que logo seria a noite de Mushkil Gusha, “O dissipador de todas as dificuldades”, a quem há tanto tempo se esquecera de comemorar. No mesmo instante em que esse pensamento lhe chegou à mente, um homem caridoso que passava jogou-lhe uma moeda.
    – Generoso amigo – chamou-o o lenhador – você me deu dinheiro que para mim não tem utilidade alguma. Mas se, em sua generosidade, puder comprar uma ou duas tâmaras e vir sentar-se comigo para comê-las, eu lhe ficaria eternamente grato.
    O homem saiu e comprou algumas tâmaras, sentou-se a seu lado e comeram juntos. Ao terminar, o lenhador contou-lhe a história de Mushkil Gusha.
    – Acho que você deve estar louco – disse-lhe o homem generoso.
    Mas era uma pessoa compreensiva e também enfrentava muitas dificuldades. Ao chegar em casa, depois desse incidente, percebeu que todos os seus problemas estavam resolvidos. Isto o fez pensar mais seriamente a respeito de Mush-kil Gusha. Mas aqui ele deixa nossa história.
    No dia seguinte, pela manhã, a princesa voltou ao lugar onde se banhara e, quando ia entrar na água, viu, no fundo do regato, uma coisa que parecia ser seu colar. Porém, no momento em que ia pegá-lo, espirrou, jogou a cabeça para trás, e viu que o que tomara por seu colar era apenas o reflexo dele na água. O colar estava pendurado no galho de uma árvore, no mesmo lugar onde o tinha deixado há muito tempo. Emocionada, apanhou-o e foi correndo contar ao rei o acontecido. Este ordenou que o lenhador fosse posto em liberdade e que lhe pedissem desculpas em público. Tiraram a menina do orfanato e todos viveram felizes para sempre.
    Estes são alguns dos episódios da história de Mushkil Gusha. E uma história muito longa, que nunca termina. Tem muitas formas. Algumas nem sequer se intitulam A história de Mushkil Gusha. Por isso as pessoas não as reconhecem como tal.
    Mas é por causa de Mushkil Gusha que esta história, em qualquer de suas formas, é lembrada por alguém, em algum lugar do mundo, dia e noite, onde quer que exista gente. Tal como sempre tem sido contada, assim continuará a ser contada eternamente.

  • Trecho da entrevista que Claudio Sassaki

    Trecho da entrevista que Claudio Sassaki, um jovem empreeendedor-educador fez para o PORTAL Believe Earth, vale muito a pena:

    BE – O modelo tradicional de aula está com os dias contados?

    CS – Há um estudo da Universidade de Oxford [no Reino Unido] que mostra que 47% dos empregos nos Estados Unidos correm o risco de serem substituídos por inteligência artificial nos próximos anos. Outro trabalho, da Ernst & Young, revela que o sucesso não está ligado necessariamente ao que você sabe e, sim, à maneira como você consegue interpretar, analisar e interligar informações. Uma educação acompanhada de inovação é aquela que é capaz de entender esses desafios e educar as próximas gerações para eles. Temos um sistema educacional em que provas e quadro negro ainda se fazem necessários, mas está claro que a inovação está diretamente ligada a novos paradigmas na educação.

    BE – De que tipo de educação o mundo precisa hoje?
    CS – A educação deve respeitar as individualidades dos estudantes e ela não está ligada só à escola. A educação que aprendemos em casa e a que temos na escola são complementares e necessárias. Valores são críticos para mudar e melhorar o mundo, mas precisamos de pessoas com conhecimentos profundos, visão crítica, capacidade de comunicação, liderança, humildade sobre seus talentos. Essas competências podem ser desenvolvidas e reforçadas na escola.

    BE – No Brasil, mais de um quarto dos alunos do ensino médio não se forma ou abandona a escola três anos depois de entrar. A principal causa é a falta de interesse pelo que é ensinado. Como aproximar o conteúdo didático da realidade dos jovens?
    CS – Eu acredito que um caminho seja abraçar as singularidades de cada aluno. A partir disso, é possível alcançar aprendizados significativos, conectados com a realidade e que contribuam para a formação de um jovem preparado para os desafios do futuro. Aqui entra o conceito de educação adaptativa que utilizamos e que é propiciada pela tecnologia: os estudantes acessam aulas, fazem exercícios e, conforme interagem com os conteúdos, de acordo com seus erros e acertos, recebem um plano de estudos individual e personalizado, criando sua própria jornada de aprendizagem. Essa jornada é aperfeiçoada pelos professores, pela escola e pelo uso de recursos multimídia.

  • Mito de Rudá

    Rudá, o Deus do Amor

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    No começo, ainda no silêncio… muito silêncio… …havia a escuridão, muita escuridão.
    Nada se via. Nem olhos havia para ver. Escuro, muito escuro.

    Então nasceu o Sol, Guaraci.
    Desde o primeiro dia, Guaraci nasceu como sempre nasceu: devagarinho, primeiro um clarão no nascente, depois uma bola de luz vermelha… ia clareando e subindo… subindo… subindo… e ia clareando tudo, iluminando tudo, aquecendo tudo, derramando vida em tudo…

    Mas o tudo, no começo, era quase nada.

    Então Guaraci viu aquele nada e começou a criar…
    Criou as águas, muitas águas: águas de sal, águas doces, águas de jorrar do céu…
    Depois criou as terras, muitas terras… Entremeando as terras, águas que corriam, águas que paravam… As águas se movimentavam e as terras também… e Guaraci gostava daquele movimento.
    E de ver aquele movimento, Guaraci criou o vento, que também se movimenta. Às vezes forte, tufão, furacão… às vezes leve, brisa calma e refrescante.
    E Guaraci, bola de fogo, esquentava tudo aquilo. E criava.

    Criava peixes, de espécies e cores diferentes, que viviam nas águas, cada qual com o seu tamanho…
    Criava animais de espécies e cores diferentes, que viviam nas terras, cada qual com o seu tamanho…
    Criava vegetais, de espécies e cores diferentes, que viviam nas águas e nas terras, também com tamanhos diferentes…
    Criava pássaros e insetos para povoar o ar… sempre de espécies e cores e tamanhos diferentes…
    E todos eles faziam sons diferentes… cada um do seu jeito.

    E de tanto criar tantas coisas, tanta natureza, tudo tão bonito… ah… Guaraci ficou cansado.
    Ficou muito, muito cansado… e foi ficando com muito sono… precisou dormir.
    Foi fechando os olhos, bem devagarinho, e quando fechou os olhos de vez, tudo ficou escuro, muito escuro. Guaraci não podia ver mais nada de tudo que havia criado. Enquanto dormia, só a escuridão.
    Ah… cadê tudo aquilo tão bonito? Guaraci queria ver aquilo tudo de novo… mas estava tão cansado… Ainda queria descansar mais, mas estava tão sozinho…

    Nesse sono ou nesse sonho, no meio dessa escuridão toda, Guaraci criou a Lua, Jaci. Mas foi no meio do seu sono, quando estava tudo escuro.
    Foi assim: lá longe, Guaraci viu chegando um clarão, no coração da escuridão. Aquele clarão foi crescendo, foi se abrindo no escuro da noite, e foi se apresentando.
    Subindo no céu, foi surgindo ela, Jaci, primeiro como uma bola amarela, cor de laranja, as laranjas que Guaraci tinha criado antes.
    Depois Jaci, a Lua, subia, e subia, e quanto mais alta subia, o seu brilho virava prata, e fazia um lindo clarão iluminando toda a natureza.
    Era lindo o brilho nas águas, clarão nas montanhas… e outros sons se faziam, os sons da noite.

    Era uma Lua tão bonita que Guaraci nessa mesma noite de sono ou de sonho, apaixonou-se por ela. Um sentimento tão bom… ela era tão bonita… e mostrava, do seu modo especial, do modo mesmo de Jaci, ela mostrava tudo aquilo que ele tinha criado.
    Guaraci ficou muito encantado e tão apaixonado que abriu os olhos para poder vê-la e admirá-la melhor… mas ah… quando abria os olhos, tudo se iluminava de um jeito mais forte e colorido, e ela desaparecia…

    E ele queria mostrar a ela o quanto era bonita toda aquela natureza, com suas flores e cores…
    Mas ela não estava mais lá. E ele procurava, procurava… e ela não estava mais lá.
    De tanto procurar por Jaci, novamente Guaraci ficou cansado, muito cansado… e novamente fechou os olhos para dormir um pouco. E enquanto dormia, lá vinha ela, fazendo o seu desfile no fundo da escuridão, com seu lume, com seu jeito de se apresentar e de mudar de ouro em prata… Era mesmo muito bela, Jaci.

    E Guaraci queria dizer de seu amor por ela, e o quanto de lindo havia quando ela não estava…
    E queria dizer que quando abria os olhos para chegar a ela, tudo clareava e ela sumia. E queria dizer também que quando tudo se iluminava e ela desaparecia.

    Então Guaraci criou Rudá, o mensageiro de seu amor…
    Para dizer a ela o que se sentia quando ela crescia no escuro do seu sono…
    E que, na clareza do seu sonho, ele a admirava.
    E ele queria também mostrar a ela quantas coisas lindas havia quando ele estava de olhos abertos…
    E como ele se sentia só quando ela desaparecia…

    Foi assim que nasceu Rudá, o amor. Porque o AMOR não conhece luz ou escuridão e podia levar a Jaci a mensagem de Guaraci. Dia ou noite, Rudá, o AMOR, podia dizer à Lua Jaci o quanto o Sol Guaraci era apaixonado por ela.

    E, ao levar a mensagem a Jaci, ela, por sua vez, mandou também uma mensagem de volta, dizendo o quanto ela achava lindo tudo o quanto ele fazia…
    que ela passava a noite admirando todas as águas, todos os peixes, todas as terras e todos os seres que vivem na terra, todos os pássaros da noite, que se deliciava com a brisa suave, que ouvia os sons da noite, contraponto dos sons do dia…

    E Rudá, o AMOR, levava a mensagem de Jaci a Guaraci, que sempre ficava tão feliz que novamente abria os olhos e iluminava tudo durante o dia… E novamente mandava por Rudá, nova mensagem de amor.

    E por Rudá, Jaci mandava também outra mensagem de amor, dizendo que a luz que ela brilhava também vinha dele, do amor que ele tinha. E que ela também se sentia só e sentia muita saudade, quando Guaraci abria seus olhos iluminando tudo, mas que ela o amava e queria que ele soubesse disso. E Rudá levou a mensagem.

    Então Guaraci criou algumas estrelas, mais estrelas, muitas estrelas, cada uma com um tamanho e brilho diferente para cintilar no céu e alegrar Jaci, fazendo companhia a ela enquanto ele dormia.

    E até hoje, Rudá, o filho do Sol, nascido para ser o mensageiro do amor de Guaraci por Jaci, vive dia e noite, cumprindo sua missão.

    Ele é encarregado de reproduzir os seres criados, pois Guaraci e Jaci querem sempre mostrar um ao outro uma coisa diferente. E todos os dias e todas as noites Rudá, que vive nas nuvens, fortalece esse amor com suas mensagens.

    Ele também tem a missão de criar o amor no coração dos homens, despertando o amor como aquele de Guaraci por Jaci e de Jaci por Guaraci. O amor feito de admiração e de respeito pelo brilho do outro, pois cada um tem seu jeito próprio de brilhar. O amor feito de saudade, de beleza, de encantamento. O amor também pela Terra, pelos mares, pelos rios, pelas árvores, pelos animais, pelos homens, pelas mulheres e entre todos, porque afinal todos são admirados de dia e de noite por Guaraci e Jaci.

    Esta é a história de Rudá, o Deus do Amor.

    É uma história de amor, da mitologia tupi-guarani, em adaptação de Couto de Magalhães.

    Interpretação do Mito

    Falar de um mito é acessar o inventário imagético de cada cultura particular, que se manifesta diferenciadamente, mas que encontra em sua sustentação a mesma matriz arquetípica universal. Interpretar um mito Tupi –Guarani é encontrar uma parte da face brasileira de deuses, que nos arrebatam e assombram de forma específica, desde nossas raízes mais primitivas.

    Dentre esses, encontramos essa tríade divina superior indigenista, representando o Sol (Guaraci), a Lua (Jaci) e o Amor (Rudá).

    Há muito que o sol vem sendo associado à energia criativa e assertiva do masculino, enquanto a Lua expressa a receptividade e o acolhimento feminino. Razão e afeto, amantes apaixonados, porém separados pelo descuido de uma civilização que descarrilou do essencial. Esse casamento sagrado está nas bases de todas as tradições ancestrais e foi respeitosamente tomado de empréstimo pela psicologia profunda.

    No plano pessoal, a despedida entre pensamento e sentimento agoniza na saudade de uma personalidade cindida e resgatar essa união é vital para que se encontre a integralidade da alma.

    Quem sabe por isso, Guaraci, em sua sabedoria, percebeu que nada mais seria capaz de promover seu enlace com Jaci, núpcias sagradas que harmonizam a tensão dos contrários, se não fosse pela ação mágica do amor puro de Rudá.

    O Amor – único artífice capaz de forjar a aliança torneada entre a inteligência e a sensibilidade, matéria vital para transformar a qualidade do homem contemporâneo.

    Também podemos significar o sol como a clareza que caracteriza a consciência e, em contrapartida, a noite que veste a lua, como a simbolização do que nos é cego, oculto e, portanto, nos está inconsciente. Se assim for, Rudá, o Amor, é aquele que liga, resgatando à luz, das mãos estranhas da sombra, o que rejeitamos ou fomos impedidos de conhecer. E assim, ao desvelarmos o desamado e reconhecermos nele algo de íntimo, podemos ser tomados pela própria compaixão. Ego ferido entregue ao colo de sua amorosidade, pode agora enamorar-se de cada parte desagregada da personalidade, mesmo as mais repulsadas, que estavam projetadas no mundo exterior, ansiosas para retornar para casa.

    Vemos então, expressa no mito de Rudá, a proposta do grupo de terapeutas e facilitadores da Terra de Rudá: oportunizar o encontro da inteireza daqueles que percebem e desejam experimentar o caminho inspirado no Ser, cuja possibilidade de expressão depende de escolhas corajosas e discernidas para que, enfim, o Amor Verdadeiro aconteça.

  • A Tradição do Agora

    A Tradição do Agora – por Sergio Seixas

    De quantos quilos de história se faz um Homem? É possível resgatar o Ser debaixo dos escombros do passado? O pensamento fez de nossa cabeça uma lan-house; nossas emoções endividaram-nos de objetivos; as religiões protegeram-nos de Deus; a filosofia efeminou o Ato de vernizes narcisistas perante a miséria da condição humana; a política legitimou meninos de terno a serem oficce-boys de interesses econômicos; num mundo onde o lucro simboliza o gozo, o capital, este defunto histórico, recusa-se a sua cerimônia fúnebre; a psicologia, no redu tível, prometeu liberar-nos da compactação das identificações, mas se deixou seduzir pelas próprias interpretações; as artes estetizaram o horror documentando-o, documentando-o… sem nada poder propor, pois seria piegas de mais para a sua chique contemporaneidade; a imagocracia fez de nossos cérebros, goma de mascar a serviço de um tempo escorrido no ralo das frustrações pessoais e a fronteira entre afeto e business carencial tornou-se tênue demais para a inteligência do homem adaptado.
    O que nos resta senão o Presente? Quando não se tem mais tempo para uma reversão, só o Agora nos resgatará deste entulho apocalíptico. É necessário um martelo simbólico para craquelar o elmo mental e liberar o Instante da Experiência confinado em grossas crostas de cultura.

  • Projeto Rudá: Vídeos

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  • O PROJETO RUDÁ

    O PROJETO RUDÁ surgiu a partir de uma amorosa indignação compartilhada. Ao longo de uma década com retiros de imersão, workshops, cursos, palestras, vídeos, fabulações performáticas, contações de histórias, meditações, mitologias, artes oraculares, artes florais, arqueontologia, estudos interdisciplinares, abordagens transreligiosas, contemplação na natureza, um “faSer” (fazer no Ser), em que a Arte nos bordou a relação entre o objeto estético e a reconstrução de um ego à serviço do Ser, tudo isso inspirado por conceitos insubmissos ao normativo acadêmico, pudemos observar o que cada buscador de fato demandava. Com uma escuta atenta, a Terra de Rudá percebeu o que entusiasmava, alimentava e fortalecia a pessoa em busca de seu rosto. E foi nessa relação de confiança e coragem que sintetizamos em 10 itens o que achamos fundamental para um recomeço de renascimento deste homem desidratado de si, faminto de seu Sonho Real, de seu verdadeiro lugar no mundo.

    Ao irmos além do fórum psico-espiritual em que nos fundamentamos e exercemos ao longo de anos e abrirmos, no plano da cidadania, para vozes anônimas de extraordinário alcance, ainda que estejam fora do poder constitucional, como você e eu, por exemplo, queremos expandir esses 10 itens até chegarmos a um olhar que traduza o mais fielmente possível as demandas da alma dessas pessoas, ou seja, de nós, cansados de nos adiarmos com promessas lesivas ao Ser.

    Dez Itens do Processo de Reeducação da Terra de Rudá

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