Que é uma Nação? – por Franklin de Oliveira
Esta pergunta, formulou-a no seu curso de filosofia na Universidade Nova de Paris, Georges Politzer, um dos mártires contemporâneos das liberdades humanas, o qual, pela fremente generosidade de seu pensamento e sua heróica grandeza moral, está bem próximo da inexcedível figura de Antônio Gramsci. E respondeu-a para seus alunos-companheiros, com o máximo de simplicidade e de clareza – aquela claridade límpida que é o primeiro e mais alto dever da integridade intelectual.
Hoje, no Brasil, nestes dias de niilismo nacional em que nos engolfamos, mais do que nunca é necessário renovar a pergunta e respondê-la com a mesma concisa simplicidade.
Uma nação é, fundamentalmente, uma realidade histórica que se realiza através de características exatamente definidas. Para que ela exista não basta que seja uma comunidade territorial. Precisamente porque é um produto da história, toda Nação só se concretiza através de longa vida comum. A comunidade de território, qualquer que seja sua importância, será sempre dado insuficiente, se não coexistir, com a comunidade idiomática e a comunidade de vida econômica. A comunidade de língua permite a comunicação humana, atuando ainda como instrumento de cultura. Como a comunidade econômica tem-se a base material para a elaboração do produto histórico. Mas esta elaboração não se torna possível se não se estabelecer entre os ocupantes de determinado território uma comunidade vida psíquica, fonte do carácter nacional. E quem estabelece essa comunidade psíquica? A língua? Não, a língua é agente, instrumento. Quem a estabelece é a cultura que pelo seu poder coesivo, surge no contexto da vida nacional tanto como causa quanto como efeito. Como causa quando atua como modelador da alma nacional, pela transmissão doas ideias, dos sentimentos, das aspirações – então atua como força criadora. Mas também ela atua como força conservadora, mantenedora das conquistas obtidas, preservadas dos bens adquiridos, protetora e ampliadora do patrimônio acumulado ao longo do tempo. É quando se mostra como efeito e, assim, converte-se em expressão mais alta da comunidade espiritual, cuja a vida espelha. A cultura é a instituição mais permanente de uma nação, pois cada Nação tem um patrimônio espiritual que reflete sua fisionomia, fixa o seu caráter. É essa comunidade cultural que forja os indestrutíveis liames que fazem irmãos os ocupantes de um território, os que usam a mesma língua – os membros de uma Nação. Fácil é perceber. A Inglaterra é Shakespeare, a Espanha é Cervantes, a Alemanha, Goethe, a Rússia, Tolstoi, a Itália, Leonardo, a França Voltaire, os Estados Unidos, Whitman, a Áustria, Mozart.
E quem produz a cultura que faz uma Nação? Os empreendedores, os provedores de obras materiais, de puro sentindo pragmático?
Não, até porque não há iniciativa de índole material, por mínima que seja, que, para ser acionada, não seja precedida de atividade mental – aquela atividade que, no jargão comum, chamam-na de desinteressada. Então, são os portadores de ação mental, os que pensam, os que indagam, os que pesquisam, investigam, os que criam intelectualmente – esses são os que produzem cultura?
Sim, a cultura pressupõe atividade mental, mas é preciso saber em que sentindo essa atividade se exerce. Pois há mentes que geram apenas niilismo. A atividade mental – a única – que produz cultura é a humanística.
Que quer dizer isso? Quer dizer que só é atividade humanística aquela que opera no sentido de exaltar, estimular, enriquecer, fazer eclodir e ampliar as excelências do homem – as forças que guiam o homem à magnitude, que o fazem superar-se incessantemente, que levam o homem a reverenciar a vida e amá-la.[…]
Os bens culturais hoje sob ameaça foram elaborados por brasileiros que portaram espírito humanístico, na concepção Segundo a qual tiveram eles confiança no homem brasileiro, esta confiança que atualmente, templos, conjuntos urbanístico e arquiteturais, escrevendo livros , produzindo documentos, compondo música, esculpindo, pintando, uma espoliada colônia e a elevaram à condição de Nação . Acreditaram na terra e no homem. À terra e ao homem deram o testemunho de sua crença. Não podemos regredir ao que fomos antes deles, quando éramos sitio de saque e pilhagem.
Que é uma Nação? Não é uma falácia que se compatibilize com a ameaça que nos ronda. É uma realidade pulsante que à falácia se opõe e contrapõe. Ou somos este poder de resistência, ou somos uma caricatura de Nação.
Texto extraído do Livro: Morte da Memoria Nacional – Franklin de Oliveira