A Evolução de Deus a Caminho do Homem
A Evolução de Deus a Caminho do Homem- Lygia Franklin e Sergio Seixas
– Um certo Olhar Ocidental para uma certa História Possível.
Eu, um jovem de dezenove anos incompletos, em plena vitalidade de domínios erráticos,
emudeço diante a estranha verve que me acomete o senso. Sou a humanidade. Tenho séculos de
história. Sou a juventude, a juventude que se recusa a crescer, a puberdade que me faz desejo de
potência. Nada entendo senão a agonia do desterro de meu desejo quando encontro, na
frustração, lúgubre morada ou, ao contrário, quando em fastio, me rio até o deboche da sorte
que me favorece os dias e me acho o sumo dos insumos. Mas até que isto ocorra, vago,
desabitado de mim e pernoito em ruelas inóspitas à compreensão até clamar por viva alma que
me aqueça com palavras quentes como a mentira. Compreender o mundo não foi dado à
inteligência imatura. Talvez, aniquilar-me do mundo com o sabor rascante de bebida forte. O
que é a minha história? Que macaco fez de Darwin um falastrão inexato? Caçadores, coletores,
agricultores, navegadores… de quantas dores se faz uma história? Meu álbum de família…
meus bichanos desapareceram há 65 milhões de anos com uma trauletada de cosmos no dorso de
minha casa. Os antepassados de meus avós fugiam tanto do frio quanto do medo que lhes
acossavam perguntas: O que tem depois dali? Que fogueiras celestes acendem as noites? O
Mistério cutucava a compreensão. Havia de me dobrar pelo avesso, moço de olhos assustados
da infinitude, para não morrer da ignorância. A curiosidade talvez me salvasse ou, quem sabe,
o medo me conduzisse na direção de respostas inventadas. Como o nomadismo sempre engendra
o gregário, pousar entre confluências de rios e erguer muros habitáveis fez do convívio,
civilização. Imagine só, eu, um menino, tendo que sobreviver num corpo de desejos sem a
autonomia de um Eu Discernido, sem a autoridade da Consciência a me infundir norte, sem me
pertencer senhor de meu mundo a rastejar como réptil inteligente. Quantos impulsos me
conduziam a holocaustos permitidos? A barbárie me educava a cada pulsão incontida. Lembro-
me de meus abusos. Foram tantos em tão pouco tempo que uma espécie de besta humana de
prazeres vis, andando de precipício em precipício a fazer história, fez de mim um coração
confuso de meu ninho e uma cabeça ocupada por indagações febris. Por que caminho na direção
de afirmar aquilo que não sou? Que vantagens quero ter para um “eu” que não me habita e
jamais habitará? Tantos milênios se passaram e não me sinto um homem de verdade. Dezenove
anos de idade ou serão sete? Quem me ajudará a ler o livro de meus passos que na história se
fez edição? Meu clamor por um sossego meritório me empurrava, às expensas de meu medo,
para territórios ainda mais frágeis à razoabilidade humana. Pelo menos progredir, à força de
meus interesses, me fazia sentir-me mais possível ao mundo. Uma antiguidade me encheu de
um orgulho juvenil e a cultura avançava com o glamour das conveniências. Achei-me perdido
diante a emergência de um mundo que parecia compreender as coisas através do basculante da
razão, ainda que essa luz diáfana aparentemente me tirasse do caos mítico de minha origem.
Endividei-me em mim e envaideci-me. Envaideci-me das estratégias de afirmação que se
operavam em meu desejo de vitória, até que ondas de um mal-estar indecifrável me acometeram
médias idades de crenças punitivas e ilógicas à Beleza. Amarrei meus braços e pernas e enfiei
minha cabeça no torno macio das ideologias e cri, ao invés de saber-me pertencido. Dez séculos
me passaram a perna onde tive pesadelos com um Deus que me arrancava o sexo com o
torniquete de seu verbo. Como entender a vida se insinuando farta de deleites e o homem
deserotizando Deus? Atravessei essa noite desejoso de prazeres ainda que fossem meramente
intelectuais. Renascido e aparentemente curado da fé, vi a razão reinventar a arte e a ciência.
Um orgulho descabido me conduzia à soberba perigosa daqueles que detêm mais e mais poder
sem se pertencer a si próprio. Atravessei invenções e descobertas que fizeram de minha vaidade,
motivo de glórias justas, ainda que inspiradoras dos desvarios. Ideologias e revoluções me
distraíram de tempos em tempos do exato gesto de me devolver a meu centro de Consciência. E
agora, são tantas as tecnologias que tenho vontade de regredir à infância e brincar. Brincar de
apertar botões e ver as coisas me servirem, como uma mãe desqualificada que vive de pegar
lanchinhos e refrigerantes na geladeira para que o bebê marmanjão, estatelado no sofá de
frente para a TV, passe, inadvertidamente, pela seção da tarde, como as idades passam pela
Consciência adormecida.
– Pré-História (Pulsões respiram a Vida)
Há uma latência espreitando há horas. A Vida lateja no coração do mundo e tão logo o
fluxo se mova, ela habitará as coisas de sinuoso desejo evolutivo. Evoluir ao seu Retorno.
Evoluir ao seu Presente. Nenhuma organização a merece, exceto a pulsação que marca o ritmo
da Eternidade a dançar nos mundos, o seu dharma.
– Antiguidade Oriental (Conhecimento da Eternidade)
A intuição da Vida Eterna se manifesta errática numa humanidade inconsciente de sua
Psyche. África, Egito, Índia, China, Mesopotâmia, Palestina… fazem eco de vozes que
provêm de uma Eternidade que submete o homem a um encantamento imaturo, ainda sem um
ego capaz de sustentá-la. Nasce o Mito e sua poética. Surgem as Tradições e suas Linhagens. O
que fazer com Deus que nos pede viver em nós e seu pedido nos pesa este corpinho infantil
identificado com a sobrevivência? Talvez queiramos experimentar a força bruta como simulacro
de afirmação.
– Período Clássico (Conhecimento da Afirmação)
Uma personalidade afirmada no Pensamento, no Direito e na Beleza se esforça em
convencer-se da legitimidade de sua tirania. Impérios extrovertem seus desejos de soberania.
Uma dada organização política infunde uma ordem bestial. A civilização se afasta de sua
longa Noite Indiferenciada e vai em direção aos gritos lancinantes de uma Noite Sacrificial de
horrores e desterros.
– O Divisor das Águas Instintuais com as da Psyche
Deus se faz Homem e mostra-nos nossa Face. Cristos e outros Budas nos recordam a
Missão e a História os populariza em seus esforços.
– Idade Média (Conhecimento da Sobrevivência)
Culpado por séculos de atrozes pulsões de poder, o homem se deixa submeter por um
tormento que engendra sinistras alianças entre Estado e Igreja. Açoitados pelo desassossego,
dez séculos fizeram da humanidade palco de expiações terríficas. Tanta escuridão e a razão se
sublevaria tão logo uma chance lhe fosse dada: A Terra não é
mais o centro do Universo. É chegada a hora de questionar aquilo que ficou sob as asas
protetoras de uma verdade comprometida.
– Idade Moderna (Conhecimento do Progresso)
Aparentemente salvos do ralo das crenças não simbolizadas, a inteligência fomenta
avanços mensuráveis. O conforto é o parâmetro. Um certo prazer é almejado. Correr atrás do
prejuízo e a dominação assumir-se através de técnicas e ideologias liberais. O despotismo
financeiro assume um disfarce humanitário. O capital é o novo corpo do sagrado.
– Idade Contemporânea (Conhecimento do Discurso)
Assim é se lhe parece. Do alto de riquezas covardes e misérias consentidas, a palavra
serpenteia o seu veneno. Propagandas acadêmicas e científicas darão ao pathos social uma
grandeza ideológica que, aos mortos do lucro, não fará diferença, além é claro das tecnologias
inventoras de necessidades. Os discursos escoltarão a ganância e as versões postergarão o ato
nascido da Indignação Consciente. É quando então, a poética da miséria documentará o fim.
– Idade Pós-Histórica (O Saber na Experiência nos Presentifica Humanos)
Disponível ao Ser Que É, o Homem devolvido a Si fará da Jornada a Presença e da
Memória, o Único Agora Real. A riqueza no Indivíduo abastecerá suas partilhas.