Arte – por Lygia Franklin

Postado em: fevereiro 9th, 2019 por Rosa Valgode

A arte tem uma função poderosa. Muitas pessoas a confundem com
entretenimento ou com alguma estética agradável.
A arte possui a responsabilidade de deslocar o olhar-pensamento
habitual. Questionar as maneiras de viver convencionais em direção
daquilo que não foi visto, pensado ou experimentado. Cria, assim, espaços
no nosso interior para acolher o diferente, o novo, tornando-nos mais
abrangentes, mais inteiros. Por isso, por mais material e profana que
pareça, a arte possui uma função espiritual, religiosa mesmo (conectar
partes díspares), inclusive e, sobretudo, quando expressa o que é sombrio
ou obscuro no nível do indivíduo ou no nível social com a intenção de
torná-lo consciente para transformá-lo.

Uma das questões da Arte Contemporânea é nos convocar para irmos ao
encontro daquela estranha beleza que existe na instigação à transformação
que uma obra possui, independente da sua beleza estética clássica. Esta é a
beleza fundamental que a alma deseja que o nosso ego aprenda a desfrutar.
Uma estética confortável aos olhos, em muitas situações – não quero dizer
sempre – nos leva à acomodação estagnante. Por que isto é importante? O
sistema de vida consumista tende a nos ensinar a estetizar a vida: as
aparências se tornam mais importantes do que os conteúdos. As belas
formas muitas vezes são despidas de conteúdo. A Arte Contemporânea
com as suas estranhezas e, muitas vezes, feiuras é um grito contra esta
paralisia. Gesto deflagrado desde a modernidade pelo próprio “Grito”, de
Munch, quadro que até hoje impressiona quem o vê, embora
expressionista, perdoe o trocadilho.

Quem tem acesso e não lê, não assiste filmes, nem teatro ou espetáculos
de dança, não ouve música e ignora as artes plásticas, desperdiça um
nutriente valioso para o seu imaginário e sua própria capacidade
expressiva. A imaginação é a potência deflagradora da nossa criatividade.
Neste sentido, com poucas exceções, a televisão ainda é um desastre
estéril. Somos expectadores passivos de coisas medíocres e
condicionadoras a maior parte do tempo. É bom ficarmos espertos.

A arte que se isenta da sua função espiritual torna-se objeto do mercado,
uma mercadoria numa estante chique a serviço do lucro de alguns poucos
e nada mais. É pobre…, lamentável. A arte quando assume sua função de
parteira do sagrado humano é um maravilhamento.
Conhecer a História da Arte pode ser uma instigante maneira de se
compreender os caminhos da humanidade, o que se estava vivendo a cada
época e como isto foi expresso. É bastante inspirador e “abre a nossa
cabeça”, tal como já conversamos sobre as outras histórias.

A arte possui também a função de dizer para quem a usufrui: “Vai! Você
também pode criar algo novo para você mesmo, você mesmo pode ser
diferente”. Ela autoriza a capacidade de ousarmos nas nossas próprias
instâncias, não só nos assuntos abordados pela obra em si que estivemos
observando, seja imagética, escrita ou musical, mas na vida como um todo.

A maior realização artística acontece quando alguém se torna autor da sua
vida. O autor da vida é sujeito da sua existência, isto é: jamais se coloca
como objeto em qualquer situação ou diante de qualquer pessoa e por isso
realiza escolhas que contemplem sua dimensão física, emocional e
espiritual. Então, não responda rápido, mas: como vai o artista que existe
em você?