Os Caminhos da Fé – Uma breve história do medo em idealizar certezas
Os Caminhos da Fé
Uma breve história do medo em idealizar certezas
– Tempos imemoriais. O temor do desconhecido levou-nos a um estado constante de insegurança e desamparo. Por que tudo isso? … nascimentos, doenças, mortes, cataclismos… O que há por trás dessa profunda noite escura? Fogueiras no céu apontam a imensidão. Por que a natureza se levanta contra nós? Como nos proteger dos ataques de animais selvagens? (Estamos no paleolítico – 2,5 milhões de anos a.C. a 10000 a.C. Deus ainda não foi parido, ele está em gestação no ventre de nosso medo.)
– Buscamos aplacar as forças da natureza, a manifestação da sua misteriosa vontade através de uma submissão reverencial. Ritos, sacrifícios, clamores, louvores… procuram agradar essas forças ocultas e incompreensíveis, tornando-as amenas e a nosso favor. Há um xamanismo primitivo. Inúmeros deuses povoam o imaginário de povos sedentários. O sol, a lua, a chuva, o vento… são divindades em si ou se mostram humanizadas por personagens que povoam mitologias ancestrais. (Neolítico – 10000 a.C. a 3000 a.C.)
– Surgem as primeiras manifestações do “eu”. Ainda incipientes, revelam-se através de desejos em realizar objetivos pessoais, para além da sobrevivência. Começamos a dar à esta força misteriosa e cheia de caprichos, um rosto, um corpo, uma forma humana onde pudéssemos dialogar e pedir favores aos nossos anseios. Mais e mais os deuses se humanizam e fazem a ligação céu-terra. (Vale do Indo, Egito Antigo, Crescente Fértil. Do sexto milênio ao terceiro milênio antes da nossa era.)
– Tamanho panteão e o caos se apresenta. Deuses brotavam conforme as incertezas humanas. Ao sul da Mesopotâmia constela uma reação a proliferação de divindades. Abraão – surge o monoteísmo e com ele um anseio de integrar os inúmeros atributos de Deus num corpo único. (Segundo milênio a.C.)
– Para melhor servir às nossas angústias e interesses, a edição de Deus se faz cada vez mais oportuna ao homem. Sua invenção histórica gera instituições que procuram legitimar sua autoridade e, reunindo o útil ao agradável, um cofre auspicioso aos interesses humanos une poder político ao poder divino. Concílios formatam um Cristo útil à soberania do estado. (Do terceiro século da nossa era em diante.)
– Lutas, guerras, dualidades, moralismos, protecionismos, catequizações… trazem à tona uma crise da fé. Um conflito insustentável se apresenta: Igreja e Estado como representações de Deus x A experiência direta em Deus por todo aquele que se abre ao Mistério. (Idade Média)
– Não demorou para que a Filosofia e a Ciência se insurgissem contra a “versão oficial” da igreja sobre a origem e natureza do homem. Agora, nem a Terra era o centro do universo nem Deus era imortal. (séc. XV-XVI – Copérnico; séc. XIX – Nietzsche.)
– Mais adiante o arquétipo salva Deus das mãos do homem, de um homem ávido pela segurança de seus interesses. De sua impotência factual Deus passa a nos servir de sua força simbólica. Agora podemos compreender um pouco mais do processo pelo qual passamos. Uma psicologia arquetípica nos dirá como personagens bíblicos representam etapas do processo de construção do humano. Esta psicologia profunda trará a possibilidade de reconciliação entre o psíquico e o espiritual. (séc. XX – C.G.Jung.)
– Deus é simbolizado e uma dada “intelligentsia” vive um enlevo psicoespiritual, libertador de certas estruturas intermediadoras do sagrado. Dá-se o aprofundamento da crise: Fé arcaica x Confiança no Plano Ontológico advindo da Consciência. (Psicologias transpessoais. Fins do séc. XX início do XXI.)
– Movimentos religiosos reacionários procuram contrapor a crescente desilusão na credibilidade das instituições religiosas com a progressiva necessidade de recuperar um Deus útil às inúmeras necessidades carenciais de seus fiéis. (Últimas décadas do séc. XX até os dias de hoje.)
– De um profundo cansaço espiritual emerge um anseio de nudez simbólica e projetiva. Despimo-nos dos aparatos intermediários e tornamo-nos campo onde as forças de luz e sombra operam a serviço do Pleroma. Surge uma vontade não representacional e não transferencial para com o Mistério. Deus deixa de ser útil aos nossos medos e transforma-se em alimento tangível no processo de tornarmo-nos quem de fato somos. (séc. XXI)
– Então, a fé imatura, refém de um nanismo psíquico, transforma-se na confiança no Plano através da Consciência; a busca de proteção paternal transforma-se em conhecimento de si; a religião institucional transforma-se na ordenha simbólica do Agora pelo indivíduo amadurecido e a relação com Deus transforma-se numa vivência direta e co-autoral no Ato com o Mistério. (Contemporaneidade)
– Nasce o Homem. Enfim, o seu nascimento se consuma. Não mais como eterno filho, mas como humanamente divino, parceiro da eternidade na construção dos dias e seus matizes. (Os dois próximos milênios. A era de Aquário se cumpre.)
– Por suas etapas, este é o caminho pelo qual a ignorância, o medo e o desamparo conduzem o ser humano a uma fé imatura, destituída de amadurecimento emocional. E esta fé imatura, por sua vez, através da Consciência, leva-o à confiança no Plano que abrirá à Experiência em Deus. Aí vemos uma possível história da crença desenvolvendo-se e tornando-se saber experencial, tornando-se, finalmente, Obra Humana.
Texto Extraído do Livreto da Terra de Rudá – A Mística do Ato.