Uma História de Artista – Um Mito sobre a Evanescência
- Uma História de Artista
Certa vez uma pessoa com poucas virtudes de adaptação conheceu a sua veia. Pegou-se criando, criando… e gostou da coisa, porque, afinal, o mundo era muito chato. Um dia, um transeunte, alocado em seu ir indo, deu-se com a pessoa a inventar mundos de canções. Estupefato, aplaudiu. A pessoa, então, gostou de ser gostado. Seria aquela coisa que lhe brotava à imaginação um caminho para ele distinguir-se neste mundo de invisíveis? Pois continuou a inventar belas invencionices onde a chatice não cabia dentro de sua invenção. A ele tudo podia. E mais transeuntes pararam a lhe espreitar a exótica verve e gostaram do que viram e mais aplausos o faziam existir. Foi então que outra estranha pessoa, que não criava e não aplaudia, mas por ali ficara a assistir, teve a ideia: inventou uma máquina para que aqueles sonhos sonhados à luz do dia pudessem arrebanhar românticos infelizes. Deu certo: surgiu uma indústria, a indústria da sublimação. Adaptados, dublês de si próprios viam-se livres nas canções dos poetas e no glamour das noites desperdiçadas na chacrinha dos egos empossados, que a vida então se lhes parecia menos insuportável. Tamanha importância sentiu o artista, pois afinal ele era o Ricardão de uma esposa culturalmente incapaz em se recriar, que deitou e rolou à sombra de elogios fáceis. Acima do bem e do mal, o artista se achou e a inflação de sua imagem para si, o fez criar um ideal de vida. Quantos não quereriam a sua bolha? Do alto de seu olimpo postural, ele fazia as cabeças, como um cabeleireiro de decapitados. Tudo podendo, embriagou-se do ideal de prazer e não viu a seu lado a companhia do Plano a lhe respirar o Caminho. Dizem que também ele foi uma grande inspiração para o sono letal do homem adaptado, que passou a viver de idealizações e festins, enquanto as canções ecoavam, sem o Gozo do Real e a separação entre vida e obra legitimava-se desterro para os gênios da Cultura da Cisão. Um homem sem rosto aplaudia um outro homem sem rosto que denunciava esta ausência e ambos alimentavam uma falta, cheia de fantasias ideais. Esperando que um outro os salvasse de tão mórbida vaidade, fizeram do tempo cúmplice da inércia e então esperaram e esperaram. Mas foi sabido mais tarde que não era ali que a Arte fazia morada. Descobriu-se que Ela, a dona das Asas, libertava o homem na Ação de se reconstruir potência assumida e que jamais inspiraria sublimações que o afastassem de seu Encontro consigo e com o mundo que lhe é dado inventar. Arte e Artista, sendo uma única coisa, foram dar neste lugar, onde a matriz do Sonho Real imanta a Memória que traz de volta o homem para sua Criação: o Retorno ao Ser, desesculpido das invencionices e erguendo-se Obra de sua Arte.
Texto Extraído do livro da Parição da Presença – O livro da inocência madura – Sergio Seixas e Lygia Franklin