Por que escrevo – Eduardo Galeano

Postado em: fevereiro 9th, 2019 por Rosa Valgode

Por que escrevo
Quero contar a vocês uma história que, para mim, foi muito importante:  a primeira vez em que me senti desafiado pelo ofício de escrever.
Aconteceu no povoado boliviano de Llallagua, na zona mineira.
No ano anterior, ali esmo tinha acontecido a matança de San Juan.  Os mineiros estavam celebrando a noite de San Juan, bebendo, dançando.  E lá dos morros que rodeiam o povoado, o ditador Barrientos mandou metralhar todos eles.  Uma matança atroz.
Cheguei por lá mais ou menos um ano depois, em 68, e lá fiquei por um tempo, graças às minhas habilidades de desenhista.  Porque, entre outras coisas, eu sempre quis desenhar – conseguia desenhar retratos, por exemplo.  E retratei todas as crianças dos mineiros, e fiz também alguns cartazes do carnaval e outros eventos.
Então me adotaram e passei muito bem, naquele mundo gelado e miserável, onde a pobreza era multiplicada pelo frio.
Chegou a noite da despedida.  Os mineiros meus amigos, armaram uma despedida com muita bebida – bebemos, cantamos, contamos piadas… cada uma pior que a outra.
E eu sabia que às cinco ou seis da manhã, soaria a sirene que os chamaria para o trabalho na mina.
E seria a hora de dizer adeus.
Quando o momento estava chegando, eles me rodearam e me pediram uma coisa.  Disseram:
– Conta, conta pra gente como é o mar.
E eu fiquei atônito porque não me vinha nenhuma ideia.
Os mineiros eram homens condenados a uma morte antecipada nas tripas da terra, por causa do pó de sílica.  A média de vida era de trinta, trinta e cinco anos, não mais.
Eu sabia que eles jamais veriam o mar, que iam morrer muito antes de qualquer possibilidade de ver o mar, porque estavam condenados pela miséria a nunca sair daquele povoado.
Então eu tinha a responsabilidade de levar o mar a eles, de encontrar palavras que fossem capazes de molhar todos eles, para que pudessem sentir o gosto e o cheiro do mar.
E esse foi meu primeiro desafio de escritor, a partir da certeza de que escrever serve para alguma coisa.

Eduardo Galeano – “O Caçador de Histórias” – Ed. L&PM