SOBRE A VIDA – por Lygia Franklin

Postado em: janeiro 12th, 2019 por Rosa Valgode

A vida é uma sequência de nascer, crescer, trabalhar, casar, ter filhos, pagar as contas, tentar ser uma pessoa legal ou útil, morrer e pronto?! Foi um grande alívio para mim quando senti, quando tive uma certeza interior, independente de qualquer religião, que a Vida tem um Objetivo que vai além dos tão importantes e comuns citados acima. Desde menina eu sentia um grande mal-estar em relação à maneira como via a maioria das pessoas viverem. Faltava alguma coisa. Aquilo me dava um grande medo do mundo: havia algo errado, só não sabia o quê. O não saber “o quê” me apavorava. Mais tarde o tempo da medicina com o trabalho nos hospitais, as realidades socioeconômicas desumanas, os sofrimentos, a dor e a morte me conduziram a busca de compreensão e sentido. Esta questão do Objetivo foi-se construindo aos poucos, conforme fui refletindo sobre os escritos de vários mestres (espirituais, terapeutas e artistas) em relação às minhas próprias experiências. Relacionava-as também com as de outras pessoas, muitas vezes tão comuns como eu, cujo conhecimento me chegava de alguma forma e fazia sentido. Fiz um percurso de respostas que começou na visão política de esquerda e acabou na psicoespiritual abrangente. Esta certeza me resgatou da angústia de viver o que tantas vezes me parecia apenas um grande absurdo.

O que descobri é que o Sentido da Vida reside em cada ser, de todas as espécies, em qualquer lugar. Ele é o impulso natural que cada um possui de tornar-se Inteiro, isto é, de manifestar inteiramente a essência que o constitui. Falando assim parece simples e óbvio, não é? O Sentido da Vida é conseguirmos Ser o que Somos – ora!!! Aí é que reside o perigo! Vamos banalizando esta ideia, sentindo cheiro de autoajuda no sentido desqualificado deste termo ou ficamos com cara de “eu já sei disto, qual é a próxima ideia?”. No entanto, o “disto” nos exige uma enorme determinação e coragem para se tornar experiência e não apenas discurso intelectualizado, do tipo: “é claro que só posso ser eu mesmo!”.

Então, não é simples, não. Para uma pedra é simples manifestar-se pedra, assim como para uma árvore. Ser árvore não parece tratar-se de um problema para ela a não ser quando surge uma mão humana com motosserra. A gente não vê por aí uma bananeira tentando ser uma mangueira, nem pedra tentando ser mosquito, nem girafa tentando ser leão. Mas, o ser humano… Temos extrema dificuldade de sermos nós mesmos. Já vi muita gente inteligente e culta conflitada ao obrigar-se a vestir algo em desacordo com o seu gosto pessoal ou por comportar-se de determinada maneira só para corresponder ao modelo familiar ou social pré-estabelecido. Em última instância, com medo de desagradar, de não ser querido, de não ser amado. E o pior: sem sentir que agia assim, mas sofrendo alguma angústia. Com frequência considera-se que toda a regra social é normal, que a vida é assim mesmo… E aí, em vez de um ser humano, já temos mais um zumbi obediente.

Ser inteiro é pensar uma coisa e manifestar esta coisa, é sentir algo e expressar o que se está sentindo. A maioria de nós pensa uma coisa e faz outra, sente isto diz aquilo ou, mais grave ainda, nem diz. Assim vamos escolhendo ou construindo nossas relações afetivas, o trabalho, os caminhos da vida, os projetos… Tudo às avessas ou pela metade. Logo, ficamos em estado de divisão: o que se é dentro é completamente diferente do que se é fora. Mais uma vez pensamos que isto é normal, mas não é. É lamentavelmente habitual, mas não é normal nem saudável, é adoecido. Uma coisa dividida é muito mais frágil do que uma coisa inteira. É mais manipulável. Estar dividido dói. É uma ferida, um corte. Dói até para nos sinalizar através da dor que enveredamos pelo caminho equivocado do Sentido da Vida. A dor é um sinal vermelho só que às vezes não nos damos conta que a dor nasceu da divisão. Assim, o Sentido ou o Propósito da Vida é o da recuperação da memória da nossa inteireza para que possamos manifestá-la porque ela existe em potência e esquecemo-nos da sua realidade objetiva. Em outras palavras, o Sentido da Vida é a manifestação da nossa Verdade Essencial em cada escolha ou situação vivida no dia a dia. Podemos dizer ainda: Ser na vida externa ressoante com a própria subjetividade sem nunca perder de vista a singularidade dos outros também, toda a maravilhosa diferenciação que nos funda.

Enfim, em resumo: todo o processo de viver tem como finalidade em relação ao ser humano, já que o restante da Natureza já o atingiu, oportunizar o desenvolvimento de homens e mulheres conscientemente inteiros e manifestados. É isso!

Trecho do Livro  – Do Ouro e do Mel – Uma conversa sobre o essencial – Lygia Franklin